O filho, o pai, o avô
Andava na praia deserta
O céu estava nublado
E a pele do moço coberta
Das cinzas do mar congelado
E apesar de manter tal postura
O lugar lhe mostrou uma figura
Lá de longe via vindo
Um jovem homem sorrindo
O rosto era familiar,
posto que
nunca vira alguém similar
Só reconheceu quando se aproximou:
“Menino,
não fala mais com teu avô?”
Era ele realmente
Mas parecia diferente
Ao invés de rabugento
Era tranqüilo e sorridente
“Que faz aqui, meu avô?”
Perguntou o moço
“Vim te ver”, o avô respondeu
Fala, agora, que eu te ouço
“Dize-me tudo que te aflige
“Dize-me”, o avô continuou
“Para ouvir estou aqui
Para entender aqui estou”
O rapaz, então, sentiu
Como nunca havia sentido
Toda liberdade de falar
De mostrar-se dolorido
Então, ele disse tudo
Como nunca havia dito
Sentiu-se livre para tudo
Disse sem sentir-se aflito
Contou de suas angústias
De seus dramas de vida
Do quanto julgava injusta
A vida por ele vivida
Ao final, o avô disse:
“Cheia de angústias
Assim mesmo é a vida
Não se ocupe tanto delas
Ou passará despercebida”
“Não se preocupe
Das mazelas não se ocupe
Vai ficar tudo bem
Lembre-se de que você é alguém”
“Um dia há de olhar atrás
E ver que elas passaram
E que por tê-las alimentado
Muitas delas te marcaram”
“Já me vou agora
É chegada minha hora
Não vai ver hoje mais ninguém
Vou-me embora, mas fique bem.”
O moço fechou o olho
Ao abrir não viu mais ninguém
Nem o avô na praia deserta
Nem mais sombra de um alguém
E olhou de ponta a ponta
E foi então que se deu conta
Do que havia-se passado
Do que havia presenciado
E naquele ano, dia e mês
Chorou, então, pela primeira vez
O velório foi ao fim da tarde
Com toda a família presente
Rememorações, saudade
Perda, dor, falta latente
O pai do moço lá estava
Era o único que não chorava
Mas por dentro era ele
O que mais se despedaçava
Lamento, muita dor
Fragmentos de amor
Num coração estraçalhado
Por toda vida que havia passado
E a incumbência, e o desespero
E a morte, e o lamento
E pontos de esmero
E o rigor, e o tormento
O seu rosto rigoroso,
Rígido e atento
Em eterna seriedade
Sempre escondeu um sentimento
E para sempre ele estaria
Vivendo em infelicidade
E apenas de seu velho era
Por tudo a responsabilidade
E lamentou não terem os dois
Convivido melhor, dialogado
Não o veria mais depois
Estava tudo acabado
E beijou do seu velho a testa
Como nunca havia beijado
E o corpo do velho nesta
Foi finalmente sepultado
Em todo o enterro foi ele
O único que não chorou
Mas por dentro ele foi
O que mais se despedaçou
O menino não fora ao velório
Do velório não foi comunicado
Havia sumido desde cedo
E o pai ficou enraivado.
Quando o velório terminou
E todos voltaram para o lar
O menino estava em casa
Com as cinzas do congelado mar
Estava em seu quarto, quieto
Sentado em sua cama, ereto
E pensativo, não sentiu
Quando o pai a porta abriu
Enraivado, faiscava
Disse: “onde estava?
Esse dia todo não apareceu!
Acaso sabe o que sucedeu?”
E o menino levantou o olhar
E ao sério pai à sua frente parado
Conseguiu, então, encarar
Não ouvira o que ele tinha falado
Mas tinha uma coisa a falar
Aquele rosto rigoroso,
Hereditário, rígido e atento
Com uma eterna seriedade
Camuflava um sentimento
“Pai,
Quando, um dia, você morrer
E meu filho visitar
Dá-lhe, por mim, um recado
Diga que o amo muito
Que toda vida ele foi amado”