NOSTALGIA

( Vinicius Cassiolato)

Quieta, reflexiva...
Seu olhar corta as janelas atravessando a rua.
Mas não vê, nem ouve.
Apenas pensa...
O cigarro em sua mão direita,
Consuma-se sem um trago!


Apesar do conforto de sua poltrona
Do clima calmo do entardecer,
De sua casa estar arrumada,
De tudo estar em ordem,
Ela sente que algo está errado!
Mas o que?


Seus filhos estão criados
Os quadros na parede estão alinhados.
Suas roupas estão lavadas,
E o frio que chega com o entardecer, está do lado de fora.
O que será?


Seu penteado está perfeito.
Fez as unhas pela manhã
À tarde deu aula particular para alguns!
O que será?
Tem uma vida simples de fato,
Mas depois de sua aposentadoria as coisas melhoraram.
Tem sua biblioteca particular
e orgulha-se muito disso.
O que será então?


Pensa que pode ser a falta de energia no bairro.
Mas no seu íntimo sabe que não.
Como se o corpo respondesse à sua mente distante
Vagarosamente seus olhos baixam
E começam a encarar suas mãos... silêncio...
Quanto tempo ela não fazia isso?
Alguns anos.. décadas....
Ela observa cada linha,
Cada traço de sua pele.
Apaga o cigarro para melhor enxergar.






Agora vê como sua pele está esbranquiçada,
Enxerga veias, frágeis e delicadas,
Assim como todo seu corpo atual.
Apesar de suas unhas pintadas,
Está enrugada, envelhecida com o tempo...
Sem nenhum aviso,
Suas mãos viram-se
Deixando as palmas expostas.
Visualiza seus calos, já disformes.


Sentiu uma leve brisa percorrer a sala.
Junto com ela, veio a sessão de Nostalgia.
Lembrou-se do tempo que era jovem.
Nada muito além disso.
Sem rugas, sem marcas, sem filhos.
Apenas jovem.
Em busca de utopias e Revoluções.


Quantas vezes não assumiu para si os papéis de Olga, Anita, ou Clarisse?
Quantas vezes não brandiu a espada feminina?
Enfrentou e venceu seu pai, enfrentou o machismo.
Libertou e foi Liberta.
Pensou em quantos corpos aquelas mãos acariciaram.
Em quantos carinhos fez e recebeu de amantes e namorados!
Sentiu um momento de excitação extrema,
Pensou em seus momentos solitários e únicos,
Masturbando-se, tendo todo seu prazer particular.
Lembrou também de sua mais fiel amiga,
com a qual sempre mantivera relações íntimas.
Onde será que ela estará depois de tanto tempo?
Talvez em algum túmulo.... quem sabe...
De súbito, veio-lhe à memória detalhes de suas Revoluções
Sua luta contra tudo e contra todos.
Mas agora parece tão distante, longe
Enterrada em algum lugar remoto.
Mas sentiu saudades de quando
Assumia para si a voz de Olga Benário,
De quando lutava como Joana D´Arc,
Das vezes que amou as mulheres como Virgínia Woolf,
Ou de quando escrevia, assumindo Clarice Lispector.
Tanto tempo. Tanta Nostalgia.


Quando será que deixou tudo isso para trás?
Pode ser que tenha se apagado com o casamento.
Vieram os filhos.
Sentiu amor maior.
Mas apesar de sua luta ter ficado no passado,
Suas batalhas continuaram.
Casou-se por medo...
Medo...
Medo de...
Medo de morrer...
Medo de morrer sozinha...


OS filhos cresceram,
As guerras aumentaram...
RECLUSA DENTRO DE SUA CASA
PROIBIDA DE VIVER...
Sua rosa foi murchando.
Começou a envelhecer sem perceber.
Ela achou graça ter recordado disso.


Mas apesar de ter-se apagado,
Uma guerreira, sempre uma guerreira.
Ergueu-se outra vez
Com sua força,energia, magia, luz...
Libertou-se depois de décadas de repressão.
Naquele dia, via-se nela, um brilho já extinto.
Levou consigo seu único legado: os Filhos
Tanto tempo. Tanta nostalgia.
Os filhos casaram, e educam seus filhos.


E agora ela está ali.
Sentada.
Em silêncio.
Reparando depois de muito tempo, em suas mãos.
Reparando depois de tanto tempo, que ela existe.
Ela ainda ama.
Ela ainda vive.
Reparou-se, depois de anos, finalmente,
Que ela ainda era Mulher.





Cão


( Vinicius Cassiolato)

Acabou de passar por mim um cachorro!
Bege com um traço perto no focinho!
Ele vai pelas calçadas com a língua pendurada.
Sigo-o com os olhos até perder-se de vista.
De onde vem não consigo imaginar,
Muito menos para onde irá!


Será que fugiu de alguma casa?
Ou ainda foi parido nas esquinas da vida
Ele apenas caminha solitário,
Sem matilha ou bando.
Solitário dentro dele mesmo!
Talvez esteja com fome...


A cada transeunte ele Pára e Olha.
Mas ninguém o vê.
Acho que eu mesmo não o veria.
Tem porte! Grande! Majestoso!
Porém nada importa para os outros.
Ele é apenas um cachorro desgarrado da vida!
Apenas um nojo de existência!


Continua caminhando, subindo a rua.
Olhando, parando.
Mas ninguém o olha, ninguém pára!
Lógico, o ser humano tem de viver,
Correr loucamente para todos os lados!
Tem de manter suas famílias,
Tem de comprar Roupas e Veículos!
Tem que correr contra o tempo,
Afinal, somos a espécie animal mais evoluída.


Temos celulares, dinheiro, casa, carro, trabalho!
Por que deveríamos parar e olhá-lo?
Existe algo mais importante que o dinheiro?
A troca de mercadorias?
As aquisições de status social?
Não!!!


Ele é apenas um cachorro!
Existe somente para ser encoleirado!
Serve somente para proteger a casa!
Se está na rua, não presta nem pra isso!
Se não pode usá-lo, mate-o, deixe-o morrer!
Não fará falta. É só mais um.
Ele não fala, não pensa, não ama, não sente fome!
Não existe!


Deixe-o. Temos que correr!
Seja de carro, moto ou a pé!
Temos que correr.
Pagar contas, entrar na internet,
Ir à igreja pedir perdão.
Ir ao jardim zoológico com a família.
Lá é permitido alimentar os animais.
Jamais na rua, somente no Zoo.


Já não o vejo mais.
Deve ter virado alguma esquina.
Penso que logo será atropelado.
Claro, porque são sempre eles que aparecem na frente dos carros.
Será atropelado pela pressa humana,
O mais evoluído de todos os seres!!!!!!



Escrevo

( Vinicius Cassiolato)


Escrevo com cuidado e carinho.
Algo que emana de dentro de mim.
Enlouqueço caso seja proibido de exercer tal arte!
Afogo-me dentro de mim.
Escrevo, interpreto, sinto o toque divino.


Quem se vê na posição de me impedir?
Quem conseguirá?
Crio o que vejo, mesclado com o que sinto.
Cada peça, cada poema.
Devo sacrificar-me.
De meu ventre, nascem minhas crias.
Desfiguradas pelos meus pensamentos
Mas que vêm da minha visão de mundo
De meu sangue, alma, vida, espírito...


Ao pari-la,
Abraço-a, tomo-a com carinho de mãe.
Tão frágil, sensível, regurgitada.
Sento no tempo, o espaço pára.
Coloco-a em meu colo.
Dou-lhe formato
Dedico-me a sua vida!
Dou-me por inteiro!
Crio através de minha alma.
Deixo que os deuses incorporem em mim.


Teço seus cabelos.
Pinto seus olhos.
Dou-lhe meu corpo e minha carne.
Finalmente viva, madura, bela.
Tamanha felicidade me invade os sentidos.


Por fim, sopro sua espinha dorsal:
Dos céus vem o vento.
Balança seus cabelos
Como o Nascimento de Vênus.
Assim como uma criança recém nascida
Minha arte começa a descobrir o mundo.
Olhos, boca, mãos, pernas.
Aprende a andar, falar.


Lágrimas escorrem de meu espírito.
Inunda minha face e meu mundo.
Tão sublime. Tão magnífico!
Ela anda, ela vive.
Caminha à minha frente.
Com orgulho, prazer.


Trago em meu peito tamanha alegria
Que tento tocá-la.
Assusta-se, estapeia-me
E com tal força, sou lançado ao chão frio.
De alegria, vou ao sacrifício.
Fui ao chão de barriga e alma.


Antes que pudesse levantar-me,
Senti seus pés a caminhar sobre mim.
Sobre minha vida.
Passo-a-passo, sugava minhas energias.
Eu vivi para criá-la
E agora
Ela vive sobre meus ombros.


Sacrifico-me por inteiro
Apenas para que ela viva.


*Vinicius Cassiolato, natural de Campinas, nasceu em 1986. Se dedica a arte literária desde seus 15 anos, já tendo ganho prêmio de melhor poesia das escolas municípais de Campinas em 1996. Tem cerca de 300 poemas ja escritos, mas por enquanto não tem publicado nenhum livro. Ator, diretor, dramaturgo e poeta, hoje reside em Salto e cursa Artes Cenicas. Busca através da literatura, alcançar novamente o lirismo da alma humana.
Poesias: http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=61276
Blog: http://artemosferaciadeartes.ning.com/profile/ViniciusCassiolato

Acesse

www.encontrodepoetasemsalto.com