Coração eólico

Inútil enfrentar

as forças da natureza.

Canaliza os ventos mais alísios

e constrói um coração eólico.

Nas noites mortas sem vento

baterá tranquilo

ou não baterá.

Nas noites de tempestade

pulsará faminto

nesse turbilhão de coisas

até que outra noite morta

venha serenar

sua miocardia.

Quando quiser sentir

coloque a mão sobre o peito

e faça uma pornografia.

Transporta teu coração

pelas correntes de vento

e que as suas sementes

dispersas brisas

fecundem os solos

e outros corações.

Ao dormir sonha

que Éolos teu novo Deus

o detentor dos tufões

fará uma oração

de vento e pó e destruição.

Sonha o sonho dos mortais

e o sopro que ele deu

nas ventas da tua amada.

Sonha outras solidões

e outras ventanias vãs.

E ao querer acordar

lembra um redemoinho

com teu pai e tua mãe dentro

e o sono que não terminou.

Lembra o sofá da sala

e o amargo da ferrugem

e a mácula perpétua

que o vento não desfez.

Lembra a páscoa passada

e o natal que virá

e a ferida que foi.

Lembra a cama bagunçada

e teu irmão que não é mais.

Lembra a lepra da tua avó

e teu tio que morreu de câncer.

Lembra outros furacões

dentro do coração

que inflará inflará inflará

até que suas paredes

cardíacos sentimentos

comecem a se rasgar

e a jorrar o escuro sangue

venosoarterial

que inundará o corpo todo

escorrerá pelos órgãos

tornando-os corações

que como uma bombinha

de festa de São João

explodirão felizes

sangrando outras tempestades

no coração que já não bate mais

do Éolos que não existiu.

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 07/09/2009
Reeditado em 14/12/2019
Código do texto: T1797268
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