Coração eólico
Inútil enfrentar
as forças da natureza.
Canaliza os ventos mais alísios
e constrói um coração eólico.
Nas noites mortas sem vento
baterá tranquilo
ou não baterá.
Nas noites de tempestade
pulsará faminto
nesse turbilhão de coisas
até que outra noite morta
venha serenar
sua miocardia.
Quando quiser sentir
coloque a mão sobre o peito
e faça uma pornografia.
Transporta teu coração
pelas correntes de vento
e que as suas sementes
dispersas brisas
fecundem os solos
e outros corações.
Ao dormir sonha
que Éolos teu novo Deus
o detentor dos tufões
fará uma oração
de vento e pó e destruição.
Sonha o sonho dos mortais
e o sopro que ele deu
nas ventas da tua amada.
Sonha outras solidões
e outras ventanias vãs.
E ao querer acordar
lembra um redemoinho
com teu pai e tua mãe dentro
e o sono que não terminou.
Lembra o sofá da sala
e o amargo da ferrugem
e a mácula perpétua
que o vento não desfez.
Lembra a páscoa passada
e o natal que virá
e a ferida que foi.
Lembra a cama bagunçada
e teu irmão que não é mais.
Lembra a lepra da tua avó
e teu tio que morreu de câncer.
Lembra outros furacões
dentro do coração
que inflará inflará inflará
até que suas paredes
cardíacos sentimentos
comecem a se rasgar
e a jorrar o escuro sangue
venosoarterial
que inundará o corpo todo
escorrerá pelos órgãos
tornando-os corações
que como uma bombinha
de festa de São João
explodirão felizes
sangrando outras tempestades
no coração que já não bate mais
do Éolos que não existiu.