NA JUSTA MEDIDA
As teias do passado atando braços e pernas,
os fantasmas de uma construção cruel
feita ponto a ponto, como uma malha invisível
mas paralisante,
os nãos em pontos estratégicos da vontade,
o lodo da insegurança atravancando os passos,
as pedras de deveres carregadas às costas,
o aconchego covarde em fantasias de fuga,
o resguardo nas dores providenciais
que lotam as casas de saúde.
A alegria comedida, como manacial esgotável,
os pés feridos nas caminhadas áridas
do dever cumprido,
as entranhas gritando vazios sem paixão,
tesão implodindo nos corpos solitários,
cemitérios lotados de gente que nunca viveu,
avenidas tomadas por braços e pernas apressados,
autômatos que agem por condicionamento,
que pensam pelos noticiários da TV,
que vivem paixões pelas telenovelas,
que bebem e se embriagam nos fins de semana,
que se entopem de comida
para esquecer como são infelizes!
Pois se de alguma coisa teremos que morrer
que não seja de medo, de recrudescimento
da vontade, do abortar das ilusões mais caras,
pois se de alguma coisa precisamos VIVER, que
não o seja de pouca valia, não nos faça
pessoas acabrunhadas pela renúncia...
não nos faça corar de vergonha diante do espelho.
Que ficar sempre indeciso, já é decisão tomada!
E sem medo, tomar a preciosa Vida entre as mãos,
passar suavemente a mão pelos longos cabelos,
beijar a branca fronte ainda intacta e suplicante,
e vestir seu corpo dos mais ricos tecidos de liberdade,
perfumar sua pele com sorrisos e explosões de amor,
beijar suavemente as suas mãos em afagos fraternos
àqueles que cruzarem nossos caminhos.
Que ela está sempre à espera ,
em qualquer tempo, à qualquer hora,
pois nem começa, nem termina,
acontece, enquanto dormimos,
acontece enquanto esperamos,
e brilhará como fogos em céus de ano novo
quando acreditarmos que viemos a este mundo
pra ser felizes,
que recebemos este corpo pra fazê-lo resplandecer
ainda que há muito o tenhamos relegado.
A divindade que se encerra em cada pessoa
não carece de outros deuses, nem de raciocínios
nem de regras, nem de velhas teias mofadas.
Ela existe na justa medida.