Balada da lua quando triste

Amanhecia calmamente

e no poente uma luz jazia

ainda pálida no céu

dormente...

Era a Lua que a tudo ouvia.

Exasperada, palidamente.

Ouvia o mar e seu lamento,

suas ondas turvas, seu vento

em riste, a embarcação que

passavas lenta,

a sólida fumaça que subia triste.

Ouvia mulheres

escancarando janelas

abrindo cortinas

contendo soluços

mulheres curvadas sob o peso de numerosas

responsabilidades

de amores impossíveis

e segredos inconfessáveis.

Abriam-se

como se abrissem as cortinas

de um teatro

como se abrissem as janelas

para o amante-seresteiro

Mas teatro não havia

(havia ao menos a poesia?)

Oblíqua e desesperada

no alto de sua palidez

a Lua a tudo escutava

as coisas que o mundo fez.

Não ouvia

a pálida Lua

porém

nenhum suspiro na janela

nem líricas namoradas

Beatrizes, Alines, Andrieles

adolescentes com os seios em brasas

queimando como dois círios luminosos

[sob o fino tecido dos pijamas.

Não ouvia

não ouvia a lívida Lua

gemidos plangentes de violão

não ouvia

poesia, serenata, nada, nem

o farfalhar das rosas

abraçadas ao peito

coladas ao coração. Não ouvia.

Ouvia, a Lua, apenas ouvia

o ranger lamentável das janelas

se abrindo e fechando-se

cotidianas, mecanicamente

nas casas suburbanas.

E mulheres de seios murchos sob

uniformes patéticos

funcionárias, domésticas, empregadinhas

[de repartição pública

prostitutas de olhos fundos e corpo prático.

Mulheres abrindo janelas

como quem abre feridas

como um triste ritual, pesado martírio

aritmético de dias iguais sobre dias iguais.

Mulheres de vagas lembranças

de longos remorsos

de seios murchos e sonhos vãos

vão se esquecendo

na manhã que se anuncia rústica

aquela vida esquecida e fenecida

do carnaval, o impossível verão.

A Lua a tudo ouvia

oblíqua e desesperada

pálida no seu espanto, ouvia a tudo

mas não acreditava.

A Lua ouvia, ainda que tarde,

homenzinhos melancólicos

sacolejando como gados

no longo itinerário dos coletivos, da casa para

o trabalho, do trabalho para

a casa. Enfim, exaustos.

Homenzinhos resignados

ao absurdo de cada dia

às tensões raciais, às manchetes

sujas de sangue dos jornais, a menina

morta com dois tiros de bala perdida na

cabeça enquanto voltava

da escola com seu irmão caçula de

oito anos de idade e que

gostava de filmes de guerra.

Ouvia ainda o lamento dos enfermos, o gemido

inútil à hora da morte

a confissão dos solitários e dos funcionários

sobre a mesa dos bares, a prece

desesperada dos fiéis

ansiosos de promoção mas vazios de fé

a febre dos motoristas, dos cardíacos

morrendo na calçada e um aglomerado de

insetos se amontoando ao redor.

Ouvia a tudo, a Lua, ouvia.

Ouvia o choro inconsolável

dos mal-nascidos, o cínico sorriso dos que venceram

na vida, dos que acordaram tarde

e não comungaram a poesia

que ela emanava

quando era noite ainda

e a cidade inteira sonhava

e a Lua no alto do seu limbo, ouvia a tudo,

[calada no seu desencanto,

[esfera pálida sobre o mar.

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 06/09/2009
Reeditado em 23/09/2009
Código do texto: T1795773
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