A Face Burguesa
"Mas a parte que me coube nesse latifúndio* ..."
Foi de tal sorte
que nunca achei seu Norte.
E nem quem se importe,
ou que comigo a dor suporte,
compreendendo que eu não sou forte.
Que junto suporte, a face e a infantilizada teoria
do burgês que me chega à revelia.
Que se enfia em meu dia
ostentando sua gorda cara sadia.
Primeiro aprendi a amar.
Agora, a odiar.
A desprezar essa insolência
de se achar excelência
até onde lhe falta experiência.
Essa arrogância de impor a outros
seus burros conceitos, ocos e poucos.
Essa presença que se oferece
e que me causa asco e espécie;
e que me entristece
ao mostrar que ilusão também desce.
Seria bom se tudo só fosse um pesadelo
e eu voltasse a te querer com desvelo.
Mas o telefone toca de novo. Maldito aparelho!
Por lhe atender, a Morfina
cobra-me sua propina.
( ... tomara que não se tenha quebrado o tornozelo ...)
Gemo a dor
e finjo ouvir a hipocrisia sem cor.
Eu queria conseguir chorar,
mas além de tudo
fui condenado a ser mudo e surdo.
Ou, escutar todo e qualquer absurdo.
Tudo ouço,
mas só anseio
pelo silêncio como galanteio.
(de tudo tão farto, de tudo tão cheio ...)
Será que para viver
terei que mais isso sofrer?
Mas então ...
para quê viver?
* Do Mestre ancho João Cabral de Melo Neto, em "Vida e Morte Severina".