Sons da rua
Vou, em passadas lentas,
seguindo a rua, pela beira,
sempre aos sons atenta,
percorro a vizinhança inteira.
Escuto o compasso das goteiras,
de uma casa dobrando a esquina,
caindo em posição certeira,
no centro de uma bacia pequenina.
Ouço os roncos de um velho senhor,
desafinados, roncos roucos,
e o resmungar d’uma mulher com mau humor,
que os escuta, pouco a pouco.
Escuto um telefone alto chamar,
enquanto impacientemente,
todos n’uma casa se põem a especular,
quem vai atendê-lo, infelizmente.
Ouço ainda cantigas de roda,
cantaroladas por crianças na calçada,
e velhinhas, com roupas fora de moda,
tricotarem falando de coisas passadas.
Escuto declarações, sendo executadas,
em serenata à janela d’alguma moça,
e pessoas distraídas com as cantadas
mergulhando os pés n’alguma poça.
Escuto até sons imaginários, loucura,
onde o sol faz “ts” ao tocar o mar, no poente,
feito água quando entra em fervura,
e finjo que deveras é verdade o som, que incoerente.
E ao fim de tudo isso, volto para casa,
escutando tudo novamente,
até mesmos o simples bater de asas,
de passarinhos voando graciosamente.