COMBOIO FANTASMA
O que vejo à frente perdida
Nessa estrada, lugar sem vida
Uma cabra sem rebanho
Se é miragem, não creio ainda
Que despresível criador
Procede assim com sua cria
Que, abandonada num deserto,
Se a desventura a tem, por certo,
Irá morrer em agonia
Confesso-me indeciso
Se vais em passo ou cambalear
- Se eu pudesse levá-la nos ombros
- Se eu pudesse mais que rastejar!
Ventos que pouco movem folhas
São, neste corpo, turbilhões
Neste sofrido esqueleto
Cuja a razão do movimento
É a agonia dos tendões
Morrerá de sede, em pouco,
Neste deserto que a cerca
- Se eu pudesse dá-la de beber
- Mas, o meu sangue já seca!
Deste sol que a atormenta
Pudera por meu corpo em frente
E da sombra desta tarde
Se até à noite revigorasse
Pela manhã seguia em frente
E no raiar do dia novo
Eu lhe daria a direção
Mas, o que vejo é só deserto
A cabra e esta terra na visão
- Se eu, ao menos, sonhasse!
- Se não pudesse vê-la
- Pois, não posso ampará-la
- Não posso socorrê-la
- Não posso estar aqui...
Não posso dá-la minha carne
por desventura, não sou grama!
Nesta ausência é que morro!
Tais são os nossos dois dramas:
Um corpo rendido à sorte
E a vida beirando à morte
Que insiste em rebelião.