Menina e moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,

Que não é dia claro e é já o alvorecer;

Entreaberto botão, entrefechada rosa,

Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,

Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;

Tem cousas de criança e modos de mocinha,

Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,

De cansaço talvez, talvez de comoção.

Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,

Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,

Olha furtivamente o primo que sorri;

E se corre parece, à brisa enamorada,

Abrir as asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance

Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar

Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance

Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,

A cama da boneca ao pé do toucador;

Quando sonha, repete, em santa companhia,

Os livros do colégio e o nome de um doutor.

Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;

E quando entra num baile, é já dama do tom;

Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;

Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo

Para ela é o estudo, excetuando-se talvez

A lição de sintaxe em que combina o verbo

To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,

Parece acompanhar uma etérea visão;

Quantas cruzando ao seio o delicado braço

Comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! se nesse momento, alucinado, fores

Cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,

Hás de vê-la zombar de teus tristes amores,

Rir da tua aventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,

Nem se pode explicar, nem se pode entender:

Procura-se a mulher e encontra-se a menina,

Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

( Machado de Assis ).

Elen Paiva
Enviado por Elen Paiva em 28/08/2009
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