A profundidade do "ser"

Mergulhei num livro , quase virei uma personagem ,

cada descoberta era também uma descoberta do meu “ser”

eu, que assim como a personagem , sempre vivi sendo aquilo

que os outros acreditavam que eu fosse .

E acreditavam de tal maneira que me faziam acreditar também .

Sinto falta de ser Eu.

Mais da metade da minha vida , tenho me dedicado a ser

o complemento do outro

e esquecendo de complementar a mim mesma .

Estou pela metade porque ainda não conheço o meu ser .

Estou pela metade porque o meu ser foi atrofiando

e deixando espaço para o que eu sou .

A idéia que fazem de mim , não é pelo meu “ser” ,

é pelo meu “sou”.

O meu ser está tão diminuto pela atrofia

que nem mesmo eu o encontro.

Continuei a leitura na minha incessante busca.

Deparei-me com algo que caiu; do livro ,literalmente no meu colo .

Era um marcador de páginas que até então

eu não sabia que ali estava .

Ilustrado com uma flor linda que brotava de um galho

aparentemente seco .

Não sei o nome da flor , não me apego a nomes,

nomes são rótulos ,eu me apego à sensação .

Lembro-me de já tê-la visto antes.

Eu já vi esta flor , então já pude senti-la .

O marcador de páginas trazia também uma frase:

“Só é duradouro aquilo que se renova todos os dias”

Não havia nele nenhuma inscrição que denunciasse

quem o colocou ali dentro do livro ,

o que me fez acreditar , porque assim eu o quis,

que era mais uma vez o próprio livro me convidando

a ir mais fundo no mergulho:

“Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você

não conhece como eu mergulhei”.

Isto estava sugestivamente escrito na contra-capa do livro .

A personagem do livro , sofria uma metamorfose ,

não como a do Gregor Sansa que transformou-se numa barata.

Mas foi diante de uma barata bipartida , que aconteceu

sua metamorfose interna , numa explosão epifânica

de sensações e descobertas.

Talvez a barata traga em si a insígnia da metamorfose ,

porque ela é duradoura e “Só é duradouro aquilo que se renova todos os dias”.

Voltei à tona para respirar.

Este livro tem uma profundidade inigualável .

No próximo mergulho, já não existirá mais o “sou’

vou afogá-lo e trazer à tona um novo “ser”.

Um “ser” que está se descamando , trocando o couro

como a cobra troca.

Esse processo de trazer à tona um novo “ser”

é dolorido, sangra.

Será que a borboleta também sente dor quando sai do casulo?

Não, não deve sentir. Nela , o processo segue a ordem natural de sua existência .

Também a cobra não sente dor quando troca o couro.

Em nós , seres pensantes, é que as transformações são sempre doloridas

e exigem muito de nossa coragem .

Vou mergulhar novamente e quando voltar à superfície,

não serei mais o “sou” que conhecias .

Serei Eu,aceitando o ‘ser’ que aflora em mim .

Luciana Netto
Enviado por Luciana Netto em 26/08/2009
Código do texto: T1776395
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