Carta de suicídio nº. 01
Não tenho fundamento onde apoiar-me.
Onde estás tu, chão frio e indiferente, sólido fundamento que me recolhia os fragmentos
e impedia a mim de me dispersar?
Não tenho a ti, nem a mim: nada tenho!
Que me impede, agora, fragmentário que sou, de esvair-me,
de desfazer-me?
E de permitir que suave lâmina extinga a vida enfadonha,
em torrentes vermelhas,
longa e densamente purpúreas?
Que recompensas promete a vida para que eu a conserve...
Ou que tormentos me trará a morte para que eu a tema?
Mas sequer me respondes e se me afiguras
como um espelho que reflete minha imagem desfeita...
E, interrogado-te, em lúgubre monólogo sucumbo!
Oh! que não desponte a aurora!
Não, não quero que a luz me varra a alma desolada...
E que a noite, mãe dos suicidas incógnitos,
em cujas teias sombrias deposito a vida, receba esta última carta
e a semeie ao vento,
para que de mim não restem nem mesmo estas confidências merencórias!