Muito tarde
Como responder ao olhar faminto
do anjo sujo
que pede esmolas tão naturalmente ,
à menos-valia habituado?
Como não pensar no olhar de animal ferido
quando escorraçado,
qual se fosse cão sarnento,
portador de vírus letal?
Como conseguir dormir
depois de ver o anjinho esfarrapado
apanhar de algum adulto
que o escraviza ou ser torturado
por um menino maior
somente por não ter logrado
conseguir a esmola da pessoa
que nem o olhou ,ao ter passado?
Como não adivinhar as asas transparentes
nas omoplatas aparentes
das carnes magras e sujas?...
Às vezes, só depois de ter negado
uma ajuda necessária,
por medo, por negar-se a colaborar
com os aliciadores de menores
ou com pais desnaturados,
é que se pode compreender
que o Amor não foi exercitado,
pois devemos amar, 'apesar de' e não 'porque!'
A lágrima às vezes teima em molhar
o travesseiro de quem dorme
em lençóis de linho ou seda...
O olhar da criança nos persegue
o sono e um grito sem tamanho,
sufocado na garganta,
irrompe o espaço da madrugada...
Mas então, pode ser tarde:
o pequenino já foi surrado, seviciado ou maltratado
ou talvez tenha mesmo virado
um anjo de verdade
ao ser atropelado, assassinado...
E você não fez nada.
Nem eles...
Eu também não...
Poema hospedado no site www.bonecadetrapo.com.br.pela Poetisa Catherine Roos e publicado na Antologia Sonata Poética,Anomelivros, BH-MG em abril/2005
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