Essoutro
Compus um poema que eu não fiz
Compus o poema que, também, não quis
Na vida que era a que eu não tinha
Na vida que nunca foi sequer a minha
Compus, mas não sei nem o porquê
Ficou no tempo que nunca existiu
Perdeu-se no tempo que ninguém viu
Mas estava lá, nem sei se ainda está
Na criança que teimava em teimar
No garoto que pensava ir pro mar
No adulto, que já mais nem pensava
No homem, que sabia como acabava
Na vida, que outra vez nunca vivi
Na vida, que no caminho sei, me perdi
Vou traçando as linhas tais quais
Da vida que não foi nunca, jamais
Viver sem sequer saber bem o porquê
Viver para mais outra vez me perder
Viver para como dantes enlouquecer
Viver se sei, o final é o mesmo, morrer
Se aos poucos na vida se vai finando
Se aos poucos só se acerta se for errando
Se o homem só descansa se estiver labutando
Se os que sairam da terra vão se enterrando
Vivo, ainda, pensando se há no meu viver
Diferença do que fiz e do que quis fazer
Que nunca foi o que pensei que deveria ser
Fui o que quiseram que fosse, sem nem saber
O que hoje sei é que vivo, ainda tentando entender
No fundo da alma o garoto que não deixei crescer
Seus sonhos de ente dos castelos, monstros e heróis
Meu maior pecado foi ele nunca ter visto os arrebóis
Eu querendo ser fui matando o outro, gesto atroz
Por isso o poema que pensava seria, talvez, o meu
Foi dele que dentre a névoa dos castelos se perdeu
Para que eu vivesse, o louco, pouco a pouco, morreu.
Brasília - DF, 26 de julho de 2009.