A POESIA NÃO GOSTA DE PATRULHA

"POETAS SAIM DE SUA TOCAS,/ ABRAM SUAS JANELAS, ABRAM SUAS PORTAS,/ CHEGA DE VIVER SOCADOS EM SEUS MUNDOS ESTANQUES./ DESÇAM DAÍ, DESÇAM DO DO ALTO.../ TODOS VOCÊS, POETAS DAS CIDADES/ EXPOSTOS EM MUSEUS, EU INCLUSIVE/ TODOS VOCÊS, POETAS PARA POETAS LER/ ESCREVENDO POESIA SOBRE POESIA.../ TODOS VOCÊS, POLICIAIS DA POESIA.../ PIGARREIEM E ELEVEM A VOZ/ A POESIA ESTÁ MORTA, VIVA A POESIA.../ ONDE ESTÃO OS FILHOS SELVAGENS DE WALT WHITMAN?" (Lawrence Ferlinghetti, de Manifesto Populista, parte)

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A poesia pura inexiste

Tudo é mistura

A literatura não tem dono

Cada um rima como pode e quer

Em seu canto no recanto

Onde der e puder

A poesia pode ser tosca

De pé quebrada

Analfabeta e de muleta

A poesia não se toca

Ela faz o que quiser

Vai com um qualquer

Não respeita panela

Não está nem aí pros grandes nomes

Cada um faz sua rima

Faz sua esgrima

Luta como puder

Com o a palavra que quiser

Com o que lhe der na telha

A poesia atira pra todo lado

Ela é velha e menina

Ela recita-se

cita e refere-se

Fere-se

Ela cutuca cânone com vara curta

Vai à Roma

Fala de Ulisses

Ela mistura Jesus com Lampião

Faz do poema absurdo

E pode até ser chata

Só não é muda

Só não aceita patrulha

Ela ouve tudo. Regurgita

E vomita na sala

Indigesta só não é qualquer tralha

Pois autônoma

Não se aceita submissa

Não se vê sob arreios

Ou chicoteada na praça

A poesia não-dita

A Poesia maldita

A Poesia bendita

A Poesia grita

Desdita o poder

A poesia é produto barato

Mas me é cara e precisa

Não se venda na praça

Não persegue. Não retalia

É uma regalia, um impulso

Pode vir como soluço

Mas pode ser bem talhada

Erudita bem citada

A poesia é tudo isso e muito mais

Pode ser arrancada da garganta

Ela é querida e odiada

Só não gosta de ser difamada

Carimbada

Execrada

A poesia defende-se

À frente do poeta vira fera

A poesia é assim feroz e franzina

Não se toca

Desatina/ desfia e desatina como agora