EU, ANÔNIMO
 
Eu, anônimo, acabei de encontrar vocês
E começo a sentir-me menos universal
E desconfortavelmente anônimo.
De três fustigantes mortes –
A morte em si, a desolação e o anonimato –
Uma é capaz de matar mais que todas.
Eu, anônimo, acabei de encontrar vocês
E começo a morrer doridamente menos,
Pois terei alguém para abdicar dessa herança,
Desse pálido destino de quase não ser.
Apenas hoje, nesta etérea concepção,
Eu consigo entender o dilema de Eróstrato:
A morte para todos os circunstantes,
Contudo a esquiva daquele absoluto ocaso
Que não registra qualquer página na História,
Condenando à mais letal de todas as mortes,
Qual seja, o esquecimento impiedoso e cabal,
Sem qualquer chance de referência humana.
 
Degolem-me, mas ponham a minha cabeça
No pórtico redentor da guilhotina.
Incinerem-me, mas erijam a minha pira
No topo de qualquer sublime zigurate,
Visível de toda a imensidão mesopotâmica.
Esquartejem-me, mas, por favor, me livrem
Dos lobos, pois com eles não há devir.
Aviltem-me, mas ponham o meu nome
No rol dos vilões dignos de contemplação.
Até mesmo me olvidem, mas, suplico-lhes,
Não se esqueçam de me olvidar todos os dias,
Que o esquecimento total, definitivo
E imorredouro é que é a morte cruel.
 
Em Céus ou Infernos poderia habitar
Com o meu espírito, que quisesse,
Mas aceitando o proclamado silêncio
Da noite de todos os eventos, todos,
Absolutamente todos, nenhum restante;
Antes, eu prefiro ser a semente promissora,
Que vocês porão a deitar sobre a terra –
Terra, sim, chão, solo pulverulento –
Mas onde eu serei esperança condigna
De florescer e de frutificar para um tino,
Quiçá, se eu bem merecer, para um destino,
Para uma história que ainda será contada,
Enleio dos anelos no anelo de todos os enleios,
E que me redimirá desse torpe anonimato
E que eu não ousaria chamar de outra coisa
Senão Vida, quando ela é o anseio por si mesma.
                              
                              Hoje, 09 de agosto de 2009.

                              Vivo, crédulo, decorrente!