Andares
Trago uns olhos negros
E uma alma vazia
Me apraz o sofrimento
Nunca sinto alegria
A vida é movimento contínuo
Andamos sempre, ora para frente
agora para baixo, em inconstância
Para os lados, noutras para trás
Movimento que provocou-me essa ânsia
O tempo é o que nunca descansa
É um movimento impassível,
Pará-lo é loucura, é impossível
Vivemos em um mundo nefando
Por vezes torna-se horrível
Agora em movimento célere
Me vejo impulsivamente caindo
Indo, indo, indo
O vento em meus ouvidos zunindo
És findo, findo, findo
Que vertigem
Que medo do desconhecido
Que horror do que me espera
Que náusea, como é terrível
Este desgosto, que sentimento sofrível
Que desalento, se já nem me sustento
Fico no ar a plainar dormente
Sinto que o sol agora é poente.
Sinto a noite de um novo dia descrente
Nesta hora em que chega o ocaso
Somente tem-me causado asgo
Estar aqui agora nunca foi por acaso
No final espero ter deixado a semente
A doce lembrança mesmo de uma mente doente
E de um corpo que já nada sente
Que horror esse fim sempre tão temível
Por muitas outras vezes foi tão desejado
Agora só ficou essa vertigem,
Me sinto de novo enjoado
De mim outra vez enojado
Sinto que falta-me o ar
Ou é a coragem de enfrentar
Já nada mais faz sentido algum
Só o ar que infla os pulmões
Que parece querer me afogar
Demais é a falta de tudo
Lembro-me até de alguns serões
Onde a finitude eu discutia comigo
De uma existência já sem sentido
Agora me vejo aqui quase mudo
Daria tudo por um ombro amigo
Se conseguisse pelo menos gritar
Não, eu só consigo ver e lamentar
Pena que está perto o final
Ele está cada vez mais próximo
Vejo que lá embaixo é tudo estático
O tempo parece não existir mais
O tempo que não para jamais
O tempo agora me é profano
O tempo que nunca foi humano
A viagem curta agora parece-me tão longa
A vida que fora longa pareceu-me tão curta
A brisa que sopra no rosto é leve
Eu sinto ter a leveza de uma pluma
Mesmo assim não há como parar
O caminho desta vez é sem retorno
A viagem já quase finda, foi tão breve
Me sinto isolado em pleno abandono
Lá embaixo será grama ou asfalto?
O que interessa se ainda me vejo no alto
O fim será o mesmo de qualquer forma
Só tenho que aceitar e só isso me conforma
Como dizer o que sinto?
Se disser que não é bom eu minto
Se dizer que é ruim eu não sei
Se por algum tempo pensei
Que foi isso mesmo que almejei
Lembro dos passos que andei
Da vida que até agora levei
Sei que diversas vezes errei
Que nunca para pensar parei
Lembro do pai me perguntando
Como estás?
Eu sempre dizia: não tão bem, mas vou indo
Agora gostaria de poder parar
Mas já não dá mais, me findo
O passo derradeiro foi dado
O mundo agora me espera
Para o abraço que será fatal
Não sei por que semeei tanto mal
Não sei por que fiz sofrer e sofri
Sei que também poucas vezes fiz sorrir
Sei que sempre quis, nunca antes parti
Dessa vez nem tanto queria
Mas sempre é assim, me parece
Quando menos se quer é que acontece
Por isso que no mundo só se padece
Nada nunca é como esperamos
Nessa vida sequer somos ramos
As vezes sequer somos humanos
Somente folhas secas caindo
Pelo vento levados, ruindo
Ora indo, noutras vindo
Vidas incondicionalmente
Estaremos sempre partindo
Não adianta o arrependimento
É tarde já não posso ficar parado
Terei que arcar com todo sofrimento
Em consequência desse ato impensado
Só eu me movimento, me aproximo
Mais e mais, infindável viagem
Essa é a única em que realmente me acompanham
Todos os meus eus estão junto comigo
Algum até sempre me foi amigo
Outro que foi pertinente inimigo
Esse detestável, aquele amável
Esse odiado, aquele adorado
Esse traiçoeiro aquele companheiro
Esse contundente aquele perdoável
Esse inegavelmente foi um descrente
Aquele, finalmente entendi, é demente
Vamos juntos, condenados ao mesmo fim
Eu e todos os eus que há em mim
Somente por isso não vou assim tão só
Pois que vamos unidos rumo ao pó
Que tédio!
Dessa vida sem remédio
Que vontade de que tudo acabe de uma vez
Que desejo ardente de que não acabe nunca
O movimento agora é imponderável
Nada mais a fazer somente esperar
Talvez de tempo para rezar
Mas há tanto para lembrar, relembrar
Certamente me será imputado
Agora é a minha hora
Se não tem mais jeito
Abrirei bem meus olhos
Vou navegar noutros mares
Respirar novos ares
Conhecer diferentes lugares
Será que há chance de ainda me amares
Esses também foram meus males
Lá talvez um dia te encontre ainda
Sorrindo ao me ver, tu sempre tão linda
Assim deixo a vida sorrindo
Caindo, caindo, caindo...
Zunindo, zunindo, zunindo...
E agora também sorrindo
Indo, indo, indo...
É assim que me findo
Acabaram-se os pesares
E com eles os andares,
Adeus!
Brasília – DF, 30 de julho de 2009.
(Com a colaboração de Nadja Cezar)