Mistério Impenetrável
É belo todo o mistério que se perpetua!
Veja, por exemplo, aquela estrela
[aquela vaga estrela nua
aquela vaga estrela palpitando no infinito.
Embora ilumine teus olhos
com seu incandescente brilho que se perpetua,
sempre haverá aquele vago mistério impenetrável
aquele vago rumor de coisa
não desvelada, sombria,
como os murmúrios de lamentação do oceano
quando tudo é introspecção e silêncio
e nossa pele tem o aroma da maresia.
Ou, ainda, quando o vento vem soprando em nossa lembrança
seu doce gosto de água salgada
e estremece nossa alma
num tímido arrebatamento dos sentidos.
Ou aqueles duros sinos de bronze
que badalavam sordidamente
sobre a cidade portuária
mas que pareciam doer dentro da gente
como qualquer coisa grave
e misteriosa que não se traduz em palavras.
Porque é belo tudo o que encerra um mistério.
Tudo o que move e geme
e vaga e voa e gira,
a nau, o vórtice, o pássaro, a lua
a noite que derrama sombras
sobre as casas
e adormece os homens
a sorrateira ave noturna
toda a natureza inumerável, é bela,
é bela como tua trágica natureza em flor
trágica flor erguida sem hastes
sem raízes, sem pétalas
mas que passeias levemente
seu doce passo de mulher amada
sobre a terra
sobre as calçadas do meu triste mundo suburbano.
Oh, trágica mulher amada!
Nada mais misterioso que a mulher amada...
Mulher, que mesmo despida
na mais extrema nudez,
carrega nos seios, bocas, lábios
e mamilos a rígida substância
do seu mistério impenetrável.
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