A Voz Do Mistério
Uma voz misteriosa atordoou meus ouvidos.
Apresentou-se em várias cabeças.
Um monstro?
Um anjo?
Um arlequim?
E falava um idioma novo, recheado de improviso.
E emendava idéias, gírias e onomatopéias.
Eu? Atônita, tonta e lânguida.
Uma centopéia de tamanco passeado no jardim.
É que uma voz não se pega, guarda em cofre ou emoldura.
E o que a voz diz revela a essência numa doce transparência sem nome, identidade, código ou sinal.
Um dia era um cego que via muito bem...
Outra vez um entregador de pizzas.
E surgia seresteiro...
Eu queria sacada, janela e toalha bordada com um jarro de rosas vermelhas como em cidades do interior.
A voz saía de um vulcão que explodia em larvas coloridas e me abatia os sentidos.
A voz era um bálsamo, um enigma, um desafio...
A voz dizia tudo que eu queria ouvir.
Quebrou-se em vitral e me mostrou mil faces.
Eu? Uma viuvinha carregando folha no jardim.
Não sabia quem era o homem....
Seria o homem?
Seria a voz?
Seria o dito?
Seria a voz do homem como um dito, um rito em mim?
Quantos eus?
De quantos enigmas pode se fazer uma paixão?
Bastou-me a voz, música da alma...
E, fosse eu Rapunzel, lhe atirava as tranças.
Não importava o semblante, a cegueira, a idade, a pena cominada, a careca, a insanidade e a overdose de fugas...
Eu queria era pegar carona na nuvenzinha e entrar no seu céu...
Porque bastou-me o dito pra entrar na caverna de um desejo.
Eu queria na garganta aquela saliva santa que me dizia:
Flor, pirâmide e poesia.
Misteriosa voz que me fez amar em um só todos os homens do mundo...
Os vivos e os mortos.
Os santos e os encapetados.
Os filósofos e os estivadores
Os políticos e os professores.
Os artistas e os operários.
Os domadores e os trapezistas.
Os que foram e os que ficaram.
Todos os homens do mundo no armário da minha mente.
E eu? Joaninha passeando pelo jardim.
Misteriosa voz que acendeu a chama da minha ternura.
Por você eu iria a qualquer canto:
Índia, Jamaica, beco, gueto ou alçapão.
Te levaria lírios na prisão.
Te lavaria a batina após a missa.
Te abraçaria a nuca e beijaria os lábios...
Pois as palavras-canções que jorravam de tua boca caíram todas no lago do meu coração.
E eu? Borboleta na caixa vazia da minha imensidão.
Espero melancólica...
Se eu perdi a voz, você há de arrancar os cabelos....
Se eu perdi a graça, você há de queimar de saudade.
E se foi de verdade, tem volta...
Que beija-flor não pousa num jardim?
autor: Alyne Roberta Neves Costa