LIBERTAÇÃO

confesso sem desejar nenhuma piedade

que para mim neste instante

não há amores nem ódios em meu coração frente às coisas

meu coração desatou de si a geografia e conspirou contra a história

meu coração não se encontrou com os jornais do mundo

na fala humana não achou nenhum sinal de vida

procuro por você ó menina mesmo sentindo-me todo em ti

não me quero achar e indisciplinadamente te busco

esqueça a matemática da voz

despeça em paz a razão

há nas veias do coração mais segredos

do que num dicionário russo.

é fria a noite e eu estou nela quase que de todo

mas não há choro nos meus olhos: há poesia e há caminhos

os homens choram e tornam-se mais plácidos ante o crime

estampado nos jornais

mas os jornais não grudam no coração do indivíduo que o antídoto

da barbárie está sob sua camisa e sua gravata empolada

os homens espantam-se com as notícias e esquecem-se

de desativar dentro de si suas bombas atômicas

os homens emudecem e até tremem transpirando nos dedos a justiça

esquecem-se porém de vomitar o ódio

Eu estou cansado disso tudo meu bem mas também há ódio

no meu cansaço por eu não estar depois do expediente das coisas

meus olhos desejam possuir-te no cume de qualquer noite

mas ainda há tempo de libertar um soluço pela paz antes do beijo

venderei minha metralhadora e meus fuzis

eles acendem-se sozinhos

é preciso extingui-los

entregarei também o meu braço que disparou o primeiro tiro

ousarei erguer minha voz quando houver destroços suficientes

para plantar uma meia-bandeira

meio-homem basta para libertar de si a torneira que repovoará

de água calma o rio seco que a humanidade bebe

quero fugir com você para onde ainda há alguma mão que chora

ri cansa sem estar com isso apertando meus ossos

e serrando ao meio minhas pernas

minha alma berra sem estar colhendo nenhuma rosa

não há jardim no mundo

vieram e mataram os homens-jardineiros

só restaram suas máquinas e elas estão de luto

inventaram o pasto onde somos todos funcionários

comemos bebemos e adubamos a terra para novas experiências

meu amor fuja e venha para ensaiarmos alguma atitude

é preciso que se invente no homem um conceito de homem

e que se ensine ao homem o peso da palavra homem.

que tire uma letra se assim ele consiga caminhar com mais suavidade.

- sinta-se livre ó omem!

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 03/08/2009
Reeditado em 20/08/2013
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