Dedico a nossa colega poetisa Hortense, por toda a sua lealdade, como leitora e como comentarista.

Recorda-me a tua voz,
Mescla de leve deboche
E de repicar de sinos ao longe.
Qualquer coisa tão ilusória
Quanto o real resvala-me;
Meus Deus, resvala-me o mistério
E ele agora parece-me singelo.
Na noite densa e cálida,
Lembro as tuas palavras,
Frias como certas cartas de amor,
Vagas como certas juras eternas.
 
O querer-te não passa,
O passado não cessa!
Eu pensei que o até breve
Tivesse bem mais pressa.
Eu estava desesperado:
Dirigi mais de dez quilômetros
Com os faróis do carro apagados,
Na noite fina e envolvente,
Pura de luar.
 
Libar e libar e libar
Da volúpia o mais puro néctar.
 
Eu vivia
Uma poesia
Só de ritmo e de luz;
Iam-se os dias
Como alguém que vai
Sem voltar.
Quando é que tu vais voltar
De teu futuro que tange o meu passado?
Inocência e “non-sense”,
“Libera donna”, como eu te cri!
 
Um voluntário vento quente,
Remexendo os meus cabelos
Involuntariamente,
Soprou janela adentro,
Trazendo aromas e alento;
Alucinei vendo-te ali.
Abri os olhos e foi um susto,
Não uma surpresa,
Tal como quando nasci.
Acordasse
Em meio ao pesadelo
Que faz da vida
O instante mais ausente,
Sorriria,
Não porque assim fosse,
Mas porque seria bom
Que assim fosse.
Sugestão de leitura: as três primeiras partes, se não começa a ficar desconexo, uai!