Tenho esperado
Por aquele trem naquela estação
Que já não sei se é aqui, por acaso perto
Ou se de fato sequer existe em lugar algum.

Tenho esperado
Pela saudação das crianças redivivas
Pelo bálsamo que ameniza todas as feridas
E também pelo indiscreto marca-passo
Tiquetaqueando um insanável coração.

Tudo isto e tanto mais
Tenho esperado...
Como um amanuense entediado a gesticular carimbos
Amante desdentado, sem poemas e sem tesão
Na andropausa fatídica deste inverno aterrador.

Mas tenho esperado
Porque desde cedo sei rasgar-me em pedaços
E odiar cada retrato, cada lembrança, cada impasse
Amando o vazio que me permite blasfemar.

Tenho esperado
Sentinela das almas e dos acasos
Que decerto traduz o cítrico dos ocasos
Mordendo a mão que acaricia
(Ah! Augusto, que heresia!)
Por não ter mais o que morder 
Vida vazia!

Tenho esperado
O projetado arco-íris das divindades
O teto amorfo de insanas cidades
Sem jamais divisar um só disco voador.


O meu compasso de espera
Está bêbado, pernas tropêgas, inúteis
Como uma prostituta romântica.
Mesmo assim, tenho esperado
A dose exata do veneno antecipado
Quando nascemos e ninguém nos diz porque.

Tenho esperado
Por nada em particular e por tudo
Seja substantivo ou advérbio
Verso, certo, reverso
Papel em branco, diamante
E a voz tão calida quanto antes.

Tenho esperado
Que o espetáculo anuncie seu fim
Vai saber, quiça recomeço
E meu nome se apague dos letreiros
Tenho esperado
Em parte um pouco por mim
De resto, pelo mundo inteiro.