DONA DE CASA
Sou dona de casa, não tive um caso
E da vida, sou amante:
Mas quando entristeço, sorrio entre dentes,
Pra não desagradar.
Lavo, repasso lembranças de Amélia
E transformo incipientes rotinas
em dias de luz.
Além das compras do mês,
Acumulo surpresas no armário;
Transformo bolos de arroz
Em banquete de reis.
Enxáguo as mágoas, enxugo as sobras
Das alucinações, retiro a mistura
E de bênçãos me cumulo
De dia, rainha do lar; de noite, princesa
Vendo minha progenitura
Pelos braços do eleito, após a novela
A Eva das oito.
Faço-me Rapunzel, no dia a dia
Nesta torre de Babel, sou Penélope paciente
Curada ou doente, sou Raquel de Jacó,
Nos meus dias de Lia.
Sou prudente, sou serpente,
E soro contra o que não mordeu,
Trago o céu incrustado entre os dedos
Onde escorrem o veneno
E, às vezes, o bom-senso.