Este é, de longe, o meu mais longo poema. A minha experiência, no Recanto, com poemas longos mostra que eles são pouco lidos. Pensei: por que não fazer como as telenovelas da Globo, em capítulos? "Vamos por partes".

SUBTERFÚGIOS

 
 
Anoiteceu!   No céu recém-fusco
As crianças da noite começam a cintilar.
E eu me vejo outrora, menino,
Nas horas felizes de um tempo peregrino.
 
Debruço-me à janela e contemplo
O mundo que não me percebe,
Como na vida as coisas assim.
O meu ser contemplativo passeia,
Colhe volúpias da paisagem –
Há na noite uma luz incrível!
 
Tudo ao alcance tudo igual,
Menos as sensações. Pelas costas,
O escuro do quarto, denso e pessoal;
À frente, solto no espaço, o escuro
Da noite, leve, suave, sensual.
 
Não sou herói de nada –
Cotidiana e cosmopolita,
A visão de minha janela.
Entrelaço as mãos, respiro,
Descortino o semblante, busco;
Invoco – com voz de invocar,
Invoco – um certo ninguém atende.
 
Paisagem ou viagem
Essa visão, esta vida acontecendo?
Pouco importa-me . . .
A Ilusão não é mais ilusão
Que a Verdade, também ilusão
Com que me enfastio;
Verdade, um mito pomposo
Destilado por quem em mim
Me supunha, outrora, eu.
 
Vivi muito.
Muito não quer dizer
Muitas coisas; bastam algumas,
Intensamente vividas,
Para que seja muito.
 
Amei! Encontrei-me,
Mas perdi-me, não pude
Continuar sendo o mesmo.
O amor é uma morte
Da qual a gente sobrevive;
Por isso, conjugo, em mesmos versos,
Amor, Morte e Mistério.