Bate-bola c/ Castro Alves
POESIA E MENDICIDADE
Senhora! A Poesia outrora era Estrangeira,
Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar!
Visão — de áureos lauréis — porém de manto esquálido,
Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz.
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
E os astros se resvalam — à flor dos ombros nus... (...)
(Castro Alves)
***
A SACERDOTISA
(...)
Ternura em vossa leda caminhada, por entre as ondas
Que bailavam em finíssimas gotas d’água de outrora...
Vossa liberdade de expressar sua alma, nas sondas
Da memória oculta que o tempo adornara! Senhora....,
Em vossa alma esvoaçavam pirilampos, na contradança
De nossas andanças, que iam ao encontro da felicidade.
Jorravam no ar, desejos imensuráveis de esperança...
Trazia, no peito, sementes enraizadas de afetividade!
Vossa alma é a beleza exuberante, extraída da serena
Melodia, que a misteriosa Sinfonia nos presenteou!...
E, soletrando os manuscritos mitológicos de Athena...
A majestosa sacerdotisa prostrava-se ante o rei que a beijou!
(...)
Paulo Costa
***
AS DUAS FLORES
São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
(Castro Alves)
***
UM SONETO A MADALENA
Hoje os meus olhos, rente à claridade...
Avistaram uma deusa no Empíreo ninho.
Vestida como a Vênus na imensidade...
Num palácio encantado de passarinho.
Seu manto brilhava!..... Como a melodia
Que encantava o Poeta em sua cor de mel...
Mel perfumado no sabor de harmonia,
Ao som da lira a ecoar no azul do céu. (...)
Paulo Costa
***
A VOLTA DA PRIMAVERA
(...)
Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda
Não vês minha’alma reviver ovante?
É que teu riso me penetra n’alma —
Como a harmonia de uma orquestra santa —
É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!
Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
“O céu consola toda dor que existe.
Deus fez a neve — para o negro monte!
Deus fez a virgem — para o bardo triste!”
(Castro Alves)
***
MINH’ALMA SOB CHAMAS
Fincaram no meu aberto peito...
U’a mor ‘spada afiada, em meu leito —
Atravessava minh’alma.
Sofri na assombrosa desventura,
Co’um punhal cravado na cultura,
E uma voz dizia: “Calma!”
— “Tu estás na amplidão dos ares...
E revolta os desmancha-prazeres —
Nos sorvedoiros da morte.
Cantes as luminosas músicas
Aos reis aflitos; ofertes exéquias —
Presenteies réquiem em coorte!”
Nesses mausoléus, que a dor sufoca...
Quando o tempo escurece na broca —
Programando a liberdade...
Vejo em todo os lados... A lousa
A cobrir-me de tredos — sem pausa —
Privando a felicidade.
(...)
Paulo Costa
***
AO ROMPER D’ALVA
(...)
Mas o que vejo? É um sonho!... A barbaria
Erguer-se neste séc’lo, à luz do dia.
Sem pejo se ostentar.
E a escravidão — nojento crocodilo
Da onda turva expulso lá do Nilo —
Vir aqui se abrigar!...
Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
Soberba, senhoril,
Um grito que soluça aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo,
Um som discorde e vil?
Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
De tua inspiração.
O sol de tua glória foi toldado...
Teu poema da América manchado,
Manchou-o a escravidão. (...)
(Castro Alves)
***
DESEJO MATERNAL?...
(...)
A lei do silêncio que nos emboca
Sob o império que a dor sufoca —
Injustiçada tunda;
Amordaçada em regimento ardente,
Do bel-prazer na dança do ocidente —
Vossa nudez corcunda.
Nas correntezas que vinham do Norte,
Trazendo mantos da mascarada coorte —
Soprada pelos ares...
Que um dia o falsário eternizou à glória
De liberdade — extraída por vós inglória,
Derramada a cobres.
Sim, os manifestos vindos do monte,
Para cá embaixo no celeiro da fonte —
Regida pelo vento...
Pelos deuses que outrora condenastes,
Irrespondivelmente sob os estandartes
Do descontentamento.
(...)
Paulo Costa
***
ODE AO DOUS DE JULHO
(...)
Debruçados do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma — o vasto chão!
Por palmas — o troar da artilharia!
Por feras — os canhões negros rugiam!
Por atletas — dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!
Não! Não eram dous povos os que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir — em frente do passado,
A liberdade — em frente à escravidão.
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso — contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva — e do clarão!...
(...)
(Castro Alves)
***
MINHA PENA
(...)
Sobre a escrivaninha... Foi onde vi
A dor cortando minh’alma e senti
Uma imensa solidão...
Vaguei por entre os vastos caminhos,
Desenhados de tortura e anjinhos —
Compostos d’um cidadão...
Meu tinteiro derramava lágrimas
Em tod’os versos de amor — na rima
E na prosa — com paixão!...
Mesmo tingindo o papel de preto,
Fui colorindo as palavras co’afeto —
Num’adornada canção.
Nas madrugadas, olhava pro céu
E imaginava estar no azul dossel —
Desenhando figuras,
Esculpindo, nas estrelas, o nome
Das notas musicais — em cânone —
Em tod’as tessituras.
Soava u’a encantada sinfonia
Aos meus ouvidos — quando fuga, ouvia
Naquela canção vocal...
Cantava para enxugar as mágoas,
Que o tempo conduziu-me nas águas,
P’ra esfera musical.
(...)
Paulo Costa
***
O HÓSPEDE
(...)
Pálido moço! Um dia tu chegaste
De outros climas, de terras bem distantes...
Era noite!... A tormenta além rugia...
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio...
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.
Entraste! A loura chama do brasido
Lambia um velho cedro crepitante,
Eras tão triste ao lume da fogueira...
Que eu derramei a lágrima primeira
Quando enxuguei teu manto gotejante!
Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
Esta infeliz, misérrima cabana?
Inda as aves te afagam do arvoredo...
Se quiseres... as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
(...)
(Castro Alves)
***
NEVES DOURADAS
(...)
A tormenta dos longos precipícios,
Nos Campos de Neves dos hospícios,
Tombaram grandes vermes!
As serpentes que habitavam os mausoléus,
Foram traídas, e fizeram mor escarcéus...
Co’ arrojados pêsames.
(...)
Paulo Costa
***
AS TREVAS
O sol brilhante se apagara: e os astros,
Do eterno espaço na penumbra escura,
Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.
A terra fria balouçava cega
E tétrica no espaço ermo de lua.
A manhã ia, vinha... e regressava...
Mas não trazia o dia! Os homens pasmos
Esqueciam no horror dessas ruínas
Suas paixões: E as almas conglobadas
Gelavam-se num grito de egoísmo
Que demandava “luz”. Junto às fogueiras
Abrigavam-se... e os tronos e os palácios,
Os palácios dos reis, o albergue e a choça
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
As cidades morrido. Em torno às brasas
Dos seus lares os homens se grupavam,
P’ra à vez extrema se fitarem juntos.
Feliz de quem vivia junto às lavas
Dos vulcões sob a tocha alcantilada!
(...)
(Castro Alves)
***
AS TREVAS
O Sol ficara negro ao mergulhar no mar;
E a Terra balouçava embalde, no Universo,
Nu’a imensa escuridão, nu’a ida e sem regresso,
Co’ a Lua, submersa — além desse além-mar!...
No meio do oceano, as vagas procelosas
Vagavam e borbulhavam escuras escumas cálidas;
Quais brumas que encobriam outras montanhas pálidas,
E as trevas, no deserto, um tanto nebulosas.
Enquanto no Universo os astros vagueavam
Sem luz, sem cor, sem som, nu’a escuridão sombria;
Fazia um frio intenso a esmiuçar as crias
De todos os demais humanos que choravam.
E nesse imenso frio, a terra congelava,
Trazendo amarga dor mui gélida e escabrosa;
Sentiam u’a dor cruel — deveras pavorosa,
Na escura noite fria, e intermitentes lavas!
Tudo era treva — o mar, o rio, o lago e o ar...
Soprava um vento forte e frio, tão disperso,
Repleto de tufões, que vinham do perverso,
Jorrando enxofre ardente — envenenando o mar.
(...)
Paulo Costa
***
OS ASTROS
Os astros que subsistem
Nos rastros de mil estrelas,
A iluminar o azul do céu...
Mergulham bem na caligem,
Quando turvam as passarelas,
Conglobados no amor ao léu.
As chamas vão se apagando...
Nas cinzas — vão desabando!
Paulo Costa
***
MURMÚRIOS DA TARDE
(...)
Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicírculo d’ouro,
Do céu azul na profundeza escura.
(...)
(Castro Alves)
***
PRAZER E DESPRAZER
(...)
Nos labirintos dessa escuridão insondável...
Demasiado nua, vil, cruel, escura e tenebrosa, à toa
Circunda em sua amargurada proa...
Um insignificante desejo indesejável.
Desenha a tresquiáltera de sua indolência crucial...
Dogma de sua irrelevante indisciplina angelical,
E impenitente travessura envolvente... Demente crente!
Crente na trindade que altera a desventura iminente.
(...)
Paulo Costa
***
ESTROFES DO SOLITÁRIO
Desvario das frontes coroadas!
Na página das púrpuras rasgadas
Ninguém mais estudou!
E no sulco do tempo, embalde dorme
A cabeça dos reis — semente enorme
Que a multidão plantou!...
(Castro Alves)
***
FALSOS! ANTI-HISTÓRICOS!...
Minha música não é para este século!...
Sou estrangeiro atravessando obstáculo —
Por causa dos meus cantos!
Os acadêmicos não sentem os pormenores,
Como Salieri, a ficar nos arredores...
A enviar quebrantos.
Os gigantes anões de colarinhos-brancos...
Serpentes sórdidas d’aberração aos trancos —
P’ra ‘sconder da multidão!
Os derrotados provam seus próprios venenos,
Tresloucando a desventura neste comenos...
A levar-me pr’amplidão.
Paulo Costa
***
PEDRO IVO
III
(...)
Cheguei!... Como nuvens tontas,
Ao bater no monte — além,
Topam, rasgam-se, recuam...
Tais a meus pés vi também
Hostes mil na luta inglória...
... Da pirâmide da glória
São degraus... Marcha a vitória,
Porque este braço a sustém.
(...)
Não importa! A liberdade
É como a hidra, o Anteu.
Se no chão rola sem forças,
Mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
Gládios terríveis, sedentos...
E da cinza solta aos ventos
Mais um Graco apareceu!...
(...)
Dorme cidade maldita!
Teu sono de escravidão!
Porém no vasto sacrário
Do templo do coração,
Ateia o lume das lampas,
Talvez que um dia dos pampas
Eu surgindo quebre as campas,
Onde te colam no chão.
(...)
IV
(...)
Inda um momento esteve solitário
Da tempestade semelhante ao deus,
Trocando frases com os trovões no espaço,
Raios com os astros nos sombrios céus...
Depois sumiu-se dentre as brumas densas
Da negra noite — de su’alma irmã...
E longe... longe... no horizonte imenso
Ressoava a cidade cortesã!...
(...)
(Castro Alves)
***
Ó MARIA DAS DORES
Ó Maria das dores... O verbo é sagrado!
Nem carente sou p’ra ter o vosso agrado,
Nessa cidade cortesã.
O tempo passou, e as rugosas se assemelham
Como as estrelas cadentes — que se resvalam
Num proscênio porão, nas cãs.
Murmurando fogo nos lábios nebulosos,
Co’as torrentes indo de encontro aos poderosos,
Na imensidade de ilusão...
A floresta vai se tornando inconformada,
Nos abrigos enrugados de luta armada —
Sem esperança no coração.
Consternada nas entranhas do monumento...
A lousa que medra nos sacrários momentos,
Dançam as pedras nos salões.
Ó Maria das dores... A rocha é escarpada!...
Onde mora a minha doce e gentil amada —
Onde ‘screvo as minhas canções.
(...)
Paulo Costa
***
OH! TRISTE E RIDENTE SOCIEDADE!...
(...)
Assim, as cidades se inclinaram,
Entre as brumas mórbidas, que assombram
Os sacrários porões dos Céus.
Oh! Imagem que ulula na cruz
Do murmurante judeu errante...
A se afogar nos escarcéus!...
Triste é o langor das peripécias
Esquálidas, nas condolências
Lívidas das constelações...,
Nos largos báratros do estulto
Embaraço — enrubesce o vulto
Meteoro nas emoções.
(...)
Paulo Costa
***
CONFIDÊNCIA
(...)
Ó Maria, mal sabes o fadário
Que o moço bardo arrasta solitário
Na impotência da dor.
Quando vê que debalde à liberdade
Abriu sua alma — urna da verdade
Da esperança e do amor!...
Quando vê que uma lúgubre coorte
Contra a estátua (sagrada pela morte)
Do grande imperador,
Hipócrita, amotina a populaça,
Que morde o bronze, como um cão de caça
No seu louco furor!...
Sem poder esmagar a iniqüidade
Que tem na boca sempre a liberdade,
Nada no coração;
Que ri da dor cruel de mil escravos,
— Hiena, que do túmulo dos bravos,
Morde a reputação!... (...)
(Castro Alves)
***
FALSÁRIOS DA LIBERDADE
(...)
Ó injustos!... Na epopeia vergonhosa da perversidade...
Falsários da liberdade em clãs de lenta miscigenação...,
Nos escombros escondidos na improfícua desigualdade,
Que os metodistas aceitam em conformidade e adoração. (...)
Paulo Costa
***
O NAVIO NEGREIRO
V
(...)
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dizei-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...
(...)
(Castro Alves)
***
ENJAULADOS
(...)
A pior guerra que se pode travar —
É a guerra fria!... No insulto — calar;
Porém, rusgam nos sórdidos porões... —
Morrem nas comédias das maldições.
Crápulas!... Amantes da desventura...,
Vão toldando a hórrida sepultura!...
Desabando nas terríveis propostas,
Abandonando as torres — nas encostas
Do velho monte..... Onde o Senhor orou
Por aquela turba, e depois chorou!
No jardim, a roseira tece a flor,
Sob a luz escaldante do grão astro;
Mudam-se as pétalas co’o vento atro —
Caem as folhas secas de seu olor!...
As trepadeiras das grandes muralhas,
No fraguedo estonteante da súcia —
Resmungam no açoite da vil demência;
Nas encostas da injusta camarilha... —
Que julgam os condenados em seu furor!...
— Enjaulados na penitência d’horror!...
Paulo Costa
***
DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM
III
(...)
E a nivelar-se ao pó foi a princesa,
A formosa cidade de Sião;
Como tomba do monte o altivo cedro
Ao desabrido sopro do tufão.
Silêncio sepulcral, estende as asas
Sobre a vasta ruína, fumegante,
Quebrado apenas pelo grito agudo
Da andorinha, sem ninho, vaga, errante.
Negro véu, como crepe de finado
Caiu pesado, como noite escura,
Sobre o solo, que há pouco adormecia
Na soberba, opulência e formosura.
Do viajante os olhos não encontram
Senão negros vestígios de cidade;
Foi Sião, que findou-se, como um ninho
Arrancado ao tufão da tempestade.
Jerusalém na febre dos prazeres
A voz não quis ouvir de Jeremias;
Pois sim!... mas viu bem cedo realizadas
Do profeta sombrio as profecias.
E em vez do canto ardente das orgias,
Só se ouviam as aves de rapina;
Os povos converteram-se em argila;
Sião? — ei-la — confusa e vasta ruína!!!
(Castro Alves)
***
A ESPADA
(...)
O som nos ares dormentes...
Sonhando sonhos dementes,
Irrefutáveis...
Colossais das ilusões
Desvairadas das pregações
Trazidas dos reis...
Nos fantoches das afeições...
E o não saber das emoções
Da triste morte...
Do absurdo, da loucura...
O caos e a desventura
Qu’Ele suporte.
A espada com que feristes O Pastor —
Com prazer... O Nosso Senhor...
De riba a baixo...
Reles, em troca de bebidas...
Vis das vilezas perdidas
No crucifixo!
O fundir do desconforto...
No insano clã do porto,
Sem esperança...
E no amor, a dor da saudade
No caos profundo — na idade
D’uma criança...
No desespero... A inobediência
Traz consigo o medo, a ausência,
O tédio e o clamor...
E dos tais inocentes guerreiros...
Mergulhando entre os canteiros —
Na prece de dor.
Paulo Costa
***
BANDIDO NEGRO
(...)
Meus leões africanos, alerta!
Vela a noite... a campina é deserta.
Quando a lua esconder seu clarão,
Seja o bramo da vida arrancado
No banquete da morte lançado
Junto ao corvo, seu lúgubre irmão.
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
Trema o vale, o rochedo escarpado,
Trema o céu de trovões carregado,
Ao passar da rajada de heróis,
Que nas éguas fatais desgrenhadas
Vão brandindo essas brancas espadas,
Que se amolam nas campas de avós.
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
(...)
(Castro Alves)
***
PRECONCEITO
(...)
A crendice na mor vulgaridade...
Resplandecendo à vil atrocidade —
Adejada na podridão.
Pousa com desconforto sobre o canhão,
Onde resmunga no chão — à comunhão —
Os pecados à escravidão.
Quando a espada dos velozes abutres,
Lambiam os regimentos dos ilustres —
Numa vil sociedade...
Os gladiadores, rugindo indômitos,
Rastejando sobre o fel de vômitos —
Vão nadando na deidade!
A desgrenhada inquisição no furor,
Resvala o gládio no combate d’horror —
Nas reverências sepulcrais.
Em cortejo aos homens — no submundo,
Sobre as misérias do costume imundo —
Promulgam sob os castiçais.
(...)
Paulo Costa
***
OH! BRAVA GENTE!...
Oh! Brava gente!... Que o funéreo vos espera,
Na assombrosa e fatigada mansão sob a terra —
Que o tempo há de chegar!
Tão formosos aparentareis, na lânguida lousa...
Quando molemente penetrareis em vossa cousa —
No veneno — a se afogar!
(...)
Oh! Deus meu, quanta injustiça perfilada de fato
Tumultuado, sob o argumento pálido e estupefato
Da celeuma maldita...
Oh! Brevidade no auspício encapuzado ao apelo...,
Defronte aos labirintos esculpidos pelo atropelo —
Quimeras trogloditas!
Paulo Costa
***
O CORAÇÃO
O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um rio na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —
(Castro Alves)
***
BERÇO DE PASSARINHO
(...)
Inda me lembro daquele lar turdídeo...
No qual também cantava o apodídeo —
Alegrava o meu coração.
Desterrei-me encantado mundo afora...
Quando ouvia aquelas aves canoras —
A levar-me p’ra amplidão.
Sentia-me um estranho num grão ninho...
Naquelas noites em que fiquei sozinho —
A carregar o meu fardo!...
Sabiamente, atravessei o caminho,
Por onde rastejava um tatuizinho...
Onde havia um longo cardo.
Embora eu me sentisse atordoado...
Naveguei pelo mar, amedrontado...
Co’a esperança de ver o sol.
Procelosas ondas encobriam a luz,
Nos furores gestos em forma de cruz,
A rodear-me em caracol.
No centro daquele mor remoinho...
Cruzavam abraçados co’ escarninho —
Em direção ao tridente!...
Lembrei-me, naquele instante, do Senhor...
E Ele me deu asas fortes — pelo amor...
E eu voei..... Clarividente!
Paulo Costa
***
FÁBULA — O PÁSSARO E A FLOR
(...)
Então por entre a folhagem
Ao passarinho selvagem
A rosa assim respondeu:
"Cala-te, bardo dos bosques!
Ai! não troques os quiosques
Pela cúpula do céu.
Tu não sabes que delírios
Sofrem as rosas e os lírios
Nesta dourada prisão.
Sem falar com as violetas.
Sem beijar as borboletas,
Sem as auras do sertão.
Molha-te a fria geada...
Que importa? A loura alvorada
Virá beijar-te amanhã.
Poeta, romperás logo,
A cada beijo de fogo,
Na cantilena louçã.
Mas eu?! Nas salas brilhantes
Entre as tranças deslumbrantes,
A virgem me enlaçará,
Depois cadáver de rosa
A valsa vertiginosa
Por sobre mim rolará.
Vai, Poeta... Rompe os ares,
Cruza a serra, o vale, os mares,
Deus ao chão não te amarrou!
Eu calo-me — tu descansas,
Eu rojo — tu te levantas,
Tu és livre — escrava eu sou!..."
(Castro Alves)