MEIA-NOITE NA ALMA
A manhã deste tempo chama-se desespero.
Não sei como dizer-me que és um hemisfério de desejo
afogado na nudez da memória.
Dentro de ti é um lugar aceso de madrugada,
sémen de escuridão na fome concreta da evidência.
De parte alguma se vê o espaço habitável do teu corpo.
Horizonte soletrado de desencontro
ardendo nos interstícios do invisível.
Aceito que há um delírio de luz
numa aresta insólita do espanto,
um lugar deserdado de distância,
florir do pensamento na desonra do abismo.
A manhã deste tempo chama-se desespero.
Silêncio inaudito na lucidez da névoa
vagueando na meia-noite da alma.
Em que margem do instante
posso anular a incongruência voluptuosa do teu carácter?
Já todos os gestos te suplicaram a alquimia invertida da solidão.
Perdi-te tantas vezes
na extremidade dissecada do entendimento,
na última palavra da sede.
Arrasto-me na geometria perene do desconhecido,
na penumbra endémica da sombra,
vértice profundo na falésia do querer.
Daqui deste precipício em que persisto
os dias são todos de sangue
na iminência interminável de ti.
Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"