A Caneta
A caneta,
Largada sobre a mesa,
É um corpo inerte, frio, estéril, semi-vivo...
Mas que guarda em si “todos os sonhos do mundo”
A tinta seca, trombo-esclerótica,
É silêncio e recolhimento,
Celibato imposto...
Mas, ao tocá-la o poeta,
de forma precisa,
estimulada pela sangüinidade aflita dos seus dedos inquietos,
roça, o vil instrumento, a aura pálida de uma virgem adormecida.
E, despertando-a,
penetra as infindáveis matrizes do desejo.
E segue, como fina lança incandescente,
a deflorar a impudica alvura de uma folha nua...
Papel tornado carne...
Tinta tornada sangue...
Ungidos na Eucaristia semi-trágica
Que precede as Paixões
E em fluxos processuais, rítmicos, incontinentes,
Adentra os cavernosos recantos da própria inconsciência,
Trazendo à tona,
Em espasmos múltiplos de uma sublime ejaculação:
Palavras,
Fecundidade,
Pulsão de vida,
Poesia
Rio, 22/02/2006