QUERIDA CECÍLIA

Hoje sinto um cansaço enorme para lidar com a poesia, ainda pior, sem graça e sem maestira. Entrego a você, Cecília, a palavra.

Máquina breve

O pequeno vaga-lume

com sua verde lanterna,

que passava pela sombra

inquietando a flor e a treva

— meteoro da noite, humilde,

dos horizontes da relva;

o pequeno vaga-lume,

queimada a sua lanterna,

jaz carbonizado e triste

e qualquer brisa o carrega:

mortalha de exíguas franjas

que foi seu corpo de festa.

Parecia uma esmeralda

e é um ponto negro na pedra.

Foi luz alada, pequena

estrela em rápida seta.

Quebrou-se a máquina breve

na precipitada queda.

E o maior sábio do mundo

sabe que não a conserta.

Cecília Meireles

*

Motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:

também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,

mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos

ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,

por desfolhar-me é que não tenho fim.

Cecília Meireles

*

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,

feito de longe e de leve,

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída

das montanhas dos instantes

desmancha todos os mares

e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,

entre os ventos taciturnos,

apago meus pensamentos,

ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,

os mundos vão navegando

nos ares certos do tempo,

até não se sabe quando...

e um dia me acabarei.

Cecília Meireles