Cor de mar, os teus olhos

Ao meu irmão Manuel

Cor de mar, os teus olhos

são tristes como o oceano

ainda mais do que a minha

a tua solidão é longa

Levas estrelas na frente

de uma intensidade tal

que ninguém vê, todos cegos

ficam ao te compreender

Aconteceu que te foste

sem te ir, meu bom irmão

a tua angústia, a má sorte,

as crises, o sofrimento

esta vida de merda que te pegou

na contra-mão das utilidades

E isso tudo que tu entendes e sabes

- isso é o mais duro -

os amigos todos que ficaram encostados

O teu lábio partido por aquela queda

a operação, sozinho, no hospital

lembras?

O patrão desaparecido, companheiros inúteis

Nada disseste, nada devíamos saber

nada ninguém sabe, só tu

no teu viver quieto, ou ocupado...

Medicamentos sempre no teu sangue

que é o meu que eu te daria todo

para ti

para tu continuares a tua conversa calada

com os teus sonhos, meu caro

sonhos singelos de homem singelo

de lógica clara, definida cicatriz que te traça

Tenho saudade da tua alegria

dos tempos em que era menina a fugir

das tuas tretas ou dos teus braços

quando, ainda calado, eras todo luz azul

belo jovem, adiantado, livre... feliz

Agora cinquenta pétalas adornam o teu rosto

um tanto machucado do Depakine

e do desemprego

e eu, que agora sei e te entendo

e te ajudo, e te falo e atendo quando falas

fico assim, sem saber por que, chorando...