Fome

Primeiro a sede.

Sede da espera.

Sede que dilacera.

Sede que se refaz das causas não justas

Das causas sem importância.

Depois o sono.

Sono da perda,

Sono do som.

Sono da confusão.

Sono do ciúme sem razão.

Depois o frio

Frio da chuva

Frio do desespero.

Frio do choro.

Frio do sem voz.

Frio da falta.

Depois o deserto.

Deserto que se ilude com miragem.

Deserto de quem vê e não toca.

Deserto do olho de água que fica com silêncio.

Deserto do quase.

E então a fome.

Fome que invade.

Fome que desvirtua.

Fome de quem aceita o pouco.

Fome do minuto.

Fome do corado no rosto.

Fome da sua boca.

Fome de seu corpo.

Línguas confusas.

Vontades em afã.

Minuto em segundo.

Sensação de poder te ter.

Acaba a sede, o sono e o frio.

E fica a fome.

Por que fome não passa, fome não acaba.

Fome só se renova

Num amor bandido, escondido, perigoso.

Um único beijo.

Um único momento.

E então a rua.

Os olhares de volta centrados em nós.

A distancia.

Não conseguíamos mantê-la.

Nossos corpos se juntavam.

E só podíamos pisar nos algodões-doce.

Que alguém colocou debaixo de nossos pés.