LEGADO

Canta, pássaro.

Seu canto de tristeza

preso nessa gaiola

parece de alegria

mas este é o seu tom.

Voa, pássaro.

limitado a pular

daqui pra lá de lá pra aqui

na angustia e ância

de voar distante

Come, pássaro.

Sua esperança

de um dia voar

faz você comer esse oferecido

paladar medíocre.

Bebe, pássaro.

Embora sua sede

que é a de voar

essa não sacia.

Dorme, pássaro.

Pra esquecer

que estás assim

e sonhar voando

por estes confins.

Acorda, pássaro.

Pensas que já estás morto

quando o prenderam

e agora queres

que tu sejas pássaro.

Emudece, pássaro.

pois seu canto traduz

uma alegria falsa

e ninguém escuta

o seu apelo.

Fecha as asas, pássaro.

Fica aí imóvel,

pois sabes que não vais

à lugar algum

Enfastia-se, pássaro.

Pois o prazer de não buscar

seu alimento

corta-lhe o apetite.

Morre, pássaro,

porque a tua morte

é o teu legado,

protesto de ti:

"- De que vale ter asas num cárcere?"

Osman Matos