Fogo-fátuo
Sobrou um silêncio desmembrado
Frente aos olhos, sobre os corpos, entre as bocas.
Sobrou o toque despedaçado
Em outros toques,
E o esmero se esvaiu com toda a dor
Que se expandia e se alastrava
E não doía
E a estrada fez tantas curvas
Que o caminho não fazia mais sentido
E o carinho era um carinho entorpecido
Quase que totalmente forjado em aço e osso.
Do perigoso só sobrou o lado errado
Tão dicotômico como o papel do arauto
E esperavam o calor sólido dos peitos
E o que sobrou, dois corpos gélidos no asfalto
Sobrou o mundo definhando, definhando
E a tortura da espera se afastando
E o desalentado corpo sacudindo
Tremeluzindo, tremulando, se extinguindo
Como a chama de uma vela que se esvai,
Fogo-fátuo, brilho farto,
Mas tão breve!
Tão breve que meus ossos se esboroaram
E quando meus olhos enfim se abriram
Encontraram tão de pronto a neve
Que novamente se tornaram cegos
Sou, eu, uma aparência única
Que por dentro revestiu-se de vazio
E minhas entranhas são contracorrentes
E minhas resenhas não passam de frio
De puro frio!
E é difícil refletir o mundo
Que se reflete sobre minha cabeça
Então mergulho em um oceano quente,
Em um oceano escuro e desconhecido.
E enquanto submerso estou em paz.
Enquanto submerso sobrevivo.
E na minha vida não há mais que treva
E na minha treva tudo é toda a morte.
Não por você e não por mim, me mato.
Repetidas vezes, porém, saio ileso
E de vez em quando em fogo desato
Que o peito queima seco e embriagado,
Mas já não me engano,
Fato, fogo-fátuo