POEIRA CÓSMICA
Eu estive lá...
No turbilhão da tempestade
Da minha infância;
Nas trevas iluminadas
Pelos raios de um dilúvio
Que está por vir;
Na distância imaginária
Que separa o céu da minh’alma
E o inferno que deturpa meu ser.
Eu estive lá...
Na escuridão tempestuosa
Da minha meninice,
Na agonia do pão
Que nunca tive,
Na ironia da água
Que nunca chegou;
Na fome do menino,
Que encontrou seu destino
Na ponta do punhal;
Na desgraça da menina
Que vende a alma
Na esquina,
E o corpo no cisal.
Eu estive lá...
Na refugiante favela
Da minha juventude,
Na tristeza do pôr do sol,
Na orgia do amanhã,
Na promessa mentirosa
De liberdade;
Na fome do espírito,
No desejo da carne,
No desespero dos sonhos,
No acalanto das drogas,
No incesto do lar.
Eu estive lá...
No choro constante
Da minha mocidade,
Na falta da verdade,
Na injustiça do feijão;
No barraco sem teto,
Onde mora o menino
Pé-no-chão!
Nos confins do infinito,
Nas estrelas sem cor,
No deus negro do amanhã
Que nunca chegará.
Eu sei...
Eu estive lá!
Eu estarei lá...
Nos paços lentos
Do outono,
Nas noites sem sono,
Na velhice infindável
Dos meus dias;
Na toca do lobo,
Nas garras
Do absurdo das guerras,
No Líbano,
Na lua,
Ou na cauda do Halley,
Onde sou partícula
De poeira fina.
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