Foto

A foto me revela a carne que deixei de ter

e essa nulidade que me avassala

(e me proíbe de trocar a estante da sala)

grita: você é o doente que fala o que não deve

e diz o que não se escreve.

Digno de pena e de dó,

ou de porrada e xilindró.

Almas generosas tentam me ajudar de todo jeito

e me falam para crer no Amor, em Deus, ou n'algum outro Sujeito.

Por uma sobra de civilidade, não os rejeito.

E até lhes admiro a Boa Vontade

de exercerem essa santa ingenuidade.

Mas como é que se reparte a dor?

A pílula de Morfina

é minha única desejada carícia feminina.

A foto mostra o que já pareço:

a gravidez ao avesso.

E ainda me assombra esse pouco de lucidez

para assistir esse inverso de prenhes.