VOU-ME EMBORA PARA O NADA!
[pelas pegadas de Bandeira]
Vou-me embora para o Nada,
Lá não sou amiga de ninguém.
Direi tudo que penso
Sem temer ferir alguém.
Vou-me embora para o Nada!
No Nada serei feliz.
Farei somente o que quero
Do jeito que sempre quis.
Distante das convenções,
Da gente tão meretriz,
Das mentiras e ardis,
Das pedradas e arranhóes.
Aqui a existência é carpidura,
Os bons momentos são caros,
As pessoas são baratas,
São vis e repelentes,
Que ainda exibem sua loucura
Aos garçons e aos clientes,
Contam segredos de alcova,
Os atos mais delinguentes.
O Nada é um paraíso!
O Nada já me bendiz!
Vazia do que não quero
Do modo que sempre quis.
Resgatarei da infância
As gostosas brincadeiras,
Jogarei conversa fora
Com mais de um milhar de estrelas,
Deitarei sob o luar,
Soprarei dos leões os dentes,
Despida de toda a roupa,
Vestida das cores da vida.
Por nada me abaterei.
Esquecerei as dietas,
Dispensarei as horas,
O corpo não terá dores,
Deitarei na grama úmida
Sob um céu de brigadeiro,
Não conhecerei poluição
Nem carros nem agitação,
Barulhos desagradáveis,
Fatos inconsertáveis.
Notícias, dramas, tevê.
Não terei hipertensão
Nem estresse acumulado.
Criarei um calendário
Que vá de março a novembro,
Abolirei os sapatos,
As chaves, os celulares,
As datas de aniversários,
As roupas e os cosméticos,
A valise de remédios.
Enterrarei os meus medos,
Angústias e ansiedades
Ao pé de um grande pinheiro.
Não precisarei de segredos
Nem de jurar as verdades,
O ego tão serenado,
O riso no todo do rosto,
Só alegria e bom humor.
Vou-me embora para o Nada.
Dormirei menos à noite
E bem mais durante o dia.
Nas altas das madrugadas
Rabiscarei poesias,
Pintarei telas com os olhos
E comporei sinfonias.
A tiracolo e aplumado
O amor do homem amado,
Numa cama de relvado,
Com macieiras por perto,
Aroma de várias flores,
Asas nos nossos beijos,
Sexo a céu aberto,
Cachoeira a cachoar.
E conjugaremos juntinhos
O extinto verbo Amar.
Vou-me embora para o Nada
Ao canto da passarada
Habitar nova morada!
Dizem que o Nada é nada,
Coisa maluca e errada.
Não caio mais em roubada:
Contra o Tudo estou vacinada!
Eu aprendi com o Poeta
A traçar minha Pasárgada.
Vou-me embora para o Nada!
Lá estarei descansada.
(poema de 2001)