QUE SOL É ESSE?

 
Que sol é esse,
Que nasce sem horizonte,
Que surge impredizível no celeste profundo,
Deixando atrás de si a rubra cor,
Bandeira de guerra hasteada,
Sangue por correr,
E que nenhum clarim anuncia?
 
Que sol é esse,
O que brilha mais intensamente;
Que machuca, queima e incendeia,
Que prolifera, se alastra e arrebenta
E que, sem se abater, pacifica;
Sol que dá vida
E do qual toda vida depende;
Tirano absoluto dos que vivem sob a luz,
Senhor bendito das preces nossas de todo dia?
 
Que sol é esse,
Que eu tento tapar com as mãos nuas e negar
E que, no entanto, me ignora e me penetra,
O corpo todo, e me expõe, com em radiografia,
Os ossos puros de criança magra;
Que revela, a mim que nada sei,
Os segredos da alma e me aniquila;
E que, não satisfeito, resseca
No deserto da vida esse corpo transparente?
 
Que sol é esse,
Que, no ocaso, se deixa cair,
Não para baixo, mas para trás,
Para longe, bem longe no tempo,
Tempo já perdido, tempo já passado;
Que se deixa pôr,
Como na cova o cadáver,
A quem sempre se jogarão flores e terra
E talvez, a regar, uma lágrima?
 
Que sol é esse,
Que renascerá ainda amanhã?
 
Que sol é esse,
Se não o amor?
 
                                       02.06.74

 
Foi conservada a ortografia da época.