O Maquinista
Esta poesia e o poema sinfônico
são dedicados ao professor Nikolaus Schevtshenko.
I
Minha primeira Fantasia
Transformou-se em Sinfonia —
Repleta de aventura.
Era u’a simples melodia
Que sonhei, num belo dia —
Reger na partitura.
Quando acordei, naquele dia...
Oh! Quantas imagens eu via...!
Pareciam bem reais.
Inda estava mui confuso,
Ao ver tudo aquilo incluso —
Para mim era demais.
Achei que estivesse a sonhar...
E comecei a m’enfronhar
Naquilo que sentira.
U’a Viola e um Violoncello,
Soava um som singelo...
Foi tudo qu’eu ouvira.
Como um passo de mágica...
A inspiração foi lógica —
Entendi como ‘screver!
A Orquestra soava inteira,
Uma total "quebradeira" —
Difícil de descrever!
"Poco a poco" foi crescendo
O qu’eu ia escrevendo —
Na mor seriedade!...
Mui "allegro" em cada trecho,
Sincronizava o desfecho...
Com mais sonoridade.
O Maquinista — mui moço...
Deslizava em "più mosso" —
O trem Maria Fumaça.
Num dueto... Solfejava
U’a melodia em oitava,
"Dolce" e cheia de graça.
Vibrava o tom em Ré menor,
Co’a sonoridade — Tenor...
Às vezes — Barítono!
Entrelacei todos os sons
Diatônicos e semitons —
Numa manhã d’Outono.
Já estava chegando o Inverno...
Quando mudei de caderno —
Pr’aumentar a percussão.
Adicionei mais Tímpano —
P’ra executar co’o Piano,
E ‘screvi u’a progressão.
De repente, veio um breque,
Por causa d’um calhambeque —
Cruzando a linha do trem.
Foi um enorme sacolejo,
Que assustou o sertanejo —
Lá naquela passagem.
II
Máquinas em movimento
Contrário — deslumbramento
No eco das cruzadas.
Quando estrugiam os tambores...
Lembravam os compositores —
Nas grades sincopadas.
Belo comboio — tão longo...
Dançava como um fandango,
A balançar co’o vento.
Estava em terra espanhola,
Quando vinha a ventarola —
Dos trens no cruzamento.
Passavam tão velozmente —
Que o som soava na mente,
Um zunir d’arrepiar.
Soava um belo harmônico...
Pena que foi lacônico,
E não deu p’ra copiar.
III
Assim que saí da Espanha...,
Surgiu u’a linda montanha,
E havia um grupamento.
Um barulho ensurdecedor...
Dos cavalos sobre o pendor —
Num festival sangrento.
Nesse instante, vi os Índios
A defender seus princípios —
Na invasão da terra.
As mulheres com seus filhos,
Outros na beira dos trilhos,
U’a verdadeira guerra!
Soldados co’as suas bandeiras,
Saltavam sobre as caldeiras...
Num gesto ameaçador.
Na tribo, os grandes guerreiros,
Dão sinais pros estrangeiros —
Que não são da mesma cor.
IV
Nos grandes montes gelados...
Uns véus de noiva nos lados —
A encher de alegria...
Inda naquele momento...
Que ‘stava em deslizamento —
Parecia u’a sangria.
Nas cordilheiras de gelo...
Tratei de usar um capelo —
Para não me resfriar.
O frio era muito intenso,
Chegava a ficar mui tenso,
Mas ficava a inebriar.
V
Quando vi — o país Brasil...
Verde, amarelo, azul anil...
Num alegre festival...
Grandes escolas de samba,
No batuque da macumba —
Majestoso carnaval.
Orixá, Saravá, Xangô...
Baiana, pisa na “fulô”...
Estandarte e bonecos.
Na barrica — o som do tambor,
Surdo, tamborim e agogô...
Pandeiro e reco-recos...
Rei Momo, co’as suas mulatas...
Nos carros co’os diplomatas,
A luzir e a perfilar.
Passistas, porta-bandeira,
Mestre-sala e capoeira —
N’avenida a desfilar.
VI
Passando pela África...
Olhei uma jaguatirica
Na beira d’uma cascata.
Fiquei tão maravilhado
Com aquele animal malhado...
Que se embrenhou na mata.
Opa! Calma — Elefantes!...
Avistei dois brutamontes
Com suas orelhas longas...
Eram a mãe e seu filhote,
Que estavam em convescote,
Numa daquelas bandas.
Transformei em acalento,
E adagio no andamento —
U’a melodia sutil.
Cantava em modo dórico...
Um ingênuo canto lírico,
Àquele bebê gentil.
VII
Logo ao sair da África...
Dei de frente co’a fábrica,
E saía um caminhão...
Já estava em Nova Iorque,
Quando houve um entrechoque —
U’a tremenda colisão.
Mudei a escala harmônica —
Toda p’ra hexafônica —
Inspirado em Debussy.
Tensão n’atonalidade —
Contraponto e austeridade —
Movimento em frenesi.
Estava agora em direção
Ao centro — num’apresentação
D’um desfile militar!...
Foi um corre-corre — geral!...
A banda em frente à catedral,
Começou a transitar...
O trem perdera o seu freio,
E a multidão — no passeio...
Sem saber o que fazer.
Mas, o andamento era più,
Por sorte, ninguém se feriu —
P’ra não ter o que dizer.
O desespero foi total!...
O trem intercontinental —
Saía da cidade...
O Maquinista, assertiva,
P’ra toda sua comitiva —
Que fora u’a novidade.
VIII
No deserto do Saara...
Precisou usar máscara,
Para cobrir seu rosto.
O vento soprava a areia...
Que enfraqueceu a correia —
Logo do lado oposto.
O pé de vento balançou
Todo o comboio, e castigou
Seu desenvolvimento.
Estava a cento e cinquenta...
E no meio d’uma tormenta...
Surgiu um vazamento.
Balançou p’ra lá e p’ra cá...
Travou inteira a‘lavanca,
E não tinha o que fazer.
Nesse instante — só restava
Rezar — para que a trava
Pudesse se refazer.
Se ao menos tivesse freio...
Não teria tanto anseio,
E poderia parar.
Mas, nem podia examinar...
A ventania ia lhe jogar
Para fora e afugentar.
IX
Quando decidi que a história,
Tinha que ser a trajetória —
Em direção ao Japão...
Vi a ponte estremecendo —
De ponta a ponta, e, tremendo
Os trilhos como um cordão.
Um terremoto — assustador!...
O Maquinista e o contador
Sorriam da agitação.
Quando a Maria Fumaça —
Passou!... Quebrou a vidraça,
A corrente e a ignição.
Por sorte, a ponte veio ao chão...
Depois que o trem passou o cordão —
Na rigorosa pressa.
Os destroços alargados,
Mostrando os antepassados,
E o som do sino — cessa!
Por alguns minutos — calou!...
Só se ouviu o som que soou
Da ponte a desmoronar.
Foi um barulho estridente,
Que alertou — toda essa gente —
A cantar p’ra não chorar.
Não era u’a escala eufônica,
E sim, u’a pentatônica...
E o sino volta a soar!
Descompassado — é certo!...
Não era nenhum concerto,
A não ser — p’ra unificar.
Depois que vi a fronteira...
Não passou d’uma zonzeira —
Que jamais imaginei!
Fiquei tão impressionado,
Co’ aquele imenso tornado...
Mas agora, é qu’eu sei!...
Sei o quanto vale a pena,
Ter esperança — na arena,
Enquanto estiver vivo!
A cega e inútil solidão...
Só dilacera o coração —
Num punhal alusivo.
X
Num desfiladeiro extenso,
Fui embrenhando, descenso —
Até o centro da terra!
Ouvia um incomparável
Flagelo, incomensurável —
Na escura e longa serra.
Nos báratros, lá, bem fundo...
Revelava um além-mundo —
De poços escabrosos.
As lavas encobriam os trilhos,
Formando vários fornilhos —
Um tanto lamentosos.
Logo ao entrar na caverna...
Surgiram várias cisternas,
De torrentes lamaçais.
Um clarão incandescente
Abrasava as nossas mentes,
Num tormento, ouvindo os ais.
Um estranho mau cheiro no ar,
Começou a aterrorizar
Todos os passageiros.
Parecia entrar nu’a sauna,
Que ia ‘squentando a noss’alma,
Tal qual um fogareiro!
O abrasamento era ardente...
Chegava a ranger os dentes —
Difícil de suportar.
Mas..., continuei a escrever,
Com o meu suor a derreter —
O qu’eu vira p’ra contar.
Vi todo os meus inimigos —
Lamentando dos castigos —
A chorar de tanta dor.
Nas lágrimas dos errantes —
Saltavam várias serpentes,
E ficavam ao seu redor.
Infinitos gritos d’horror...
Quando vinha o dominador —
Fazer mais um suplício.
As correntes torturavam
Os rebeldes... E os jogavam
Num enorme precipício.
Ó lívidos murmurantes!...
Por que não chorastes antes,
Quando inda eram vivos?...
A assombrosa desventura
Destroça — toda a ossatura...
Dos gestos ofensivos.
XI
Ao longe..... Roda gigante,
Carrosséis, circo e mirante —
Pr’alegrar o coração.
Para erguer — sua bandeira...
Na vida..... De brincadeira —
No parque de diversão!
— "Senhor... O parque vai fechar!..."
Paulo Costa
2009.