HISTÓRIA DE CURUMINS
namorada,
estamos vivos há exatas cinco luas.
filha da noite,
vieste como viva das estrelas.
dentro de ti mora a escuridão
do fundo dos lagos,
e, qual cuia de cabeça pra baixo,
os cabelos incontáveis das lendas
caíram, cortados, penteando a Terra.
Dentro de ti, esconde-se o mistério
da caça, do chá, da fé
e, na purificação da fome das águas,
renasci guerreiro, sem corte ou banho,
no deslavado sangue da faca umbilical.
aculturados não têm calendários,
mas sabem ter ciúmes das luas matemáticas
que criaram lagos para o mundo escuro
brilhar perante o amor dos meteoros.
na mata,
as árvores de galhos no espaço
não resistiram: choraram borracha.
os bichos da noite,
mais dóceis que feras em repouso,
dormiram sem apagar os vaga-lumes.
Amanhã, curumins contarão
que, há cinco luas, uma estrela de brilho intenso
caiu na escuridão do lago onde um branco se espelhava
e fez avermelhar, sem semente de urucum, um rosto pálido.
Amanhã, curumins contarão,
que, há cinco luas, uma chuva de prata brilhante,
permanente, provou que as chamas não estão distantes
dos homens descrentes nem do clarão que descobriu o céu.
namorada,
aquele mesmo curumim, que nos viu amantes há cinco luas,
contou para os índios que uma nuvem nos levou para as lendas.