ESTAVA ESCRITO

Ontem,

uma mulher, das tantas amadas,

pediu-me para fechar o coração enquanto chorava

Escrevi meu último poema com tinta vermelha

e lacrei meu sangue

Avistei imagens perdidas e achadas:

O olhar morto do meu pai

disse-me, sem me olhar, que gastasse sentimento,

ao menos para ser verdadeiro

Engoli o choro para guardar a comoção

O olhar morto de meu pai

disse-me, sem me olhar, para ser menos avarento,

pelo menos nas lágrimas.

Amanhã,

a namorada, a única das amadas,

pedirá para escrever uma dedicatória ao coração

Soletrarei meu último poema em coma

e partirei no transplante

Anteverei o desespero das catástrofes:

O olhar morto da amada

disse-me, sem olhar, para que eu vivesse o momento,

ao menos por um só instante

O olhar morto da amada

disse-me, sem olhar, com dedos trêmulos

que a luz dos olhos é finita.

Ontem, fui poeta!

Não sei mais suar poesia

por mais que o morto esteja transpirando

por mais que a morte esteja escrita.

Ontem, fui poeta!

Hoje, não canto.