O MEU SILENCIO - 2

( REFEITO A PARTIR DO TEXTO IMEDIATAMENTE ANTERIOR:

"O MEU SILÊNCIO" )

Fui caindo no silêncio

como quem mergulha de noite

para uma piscina invisível, lá em baixo.

Foi como pular duma prancha, ás cegas,

para uma água escura onde não chegava.

Firmei o corpo, preparado,

para um impacto que não acontecia.

A elegância do movimento sumiu

quando os músculos gritaram dúvidas

á eternidade imensa, intranqüilos,

e da queda sobrou apenas a angústia.

A suprema angústia de cair sempre,

numa vertigem de saber-me despencando

sem saber até onde ou quando.

Sem pontos de referência

capazes de satisfazer a razão,

que pudessem dizer-me

se era para baixo, que caía.

Depois, os gestos tardios, instintivos,

dum arrependimento já sem lugar

perante o fato irreversível.

A queda sem preparo viável,

sem tempo para acabar,

com todas as memórias destruídas

menos as do salto ele mesmo.

Fui caindo, alheando-me de tudo,

desfocado de todos os sons em redor

e do burburinho dos passantes

até que, finalmente, o silêncio chegou

como uma cortina negra de desinteresse

cobrindo o mundo,

num estrondo líquido de carne castigada

e respingos de prata chovendo longe,

audíveis na falta de outros sons.

Um silêncio que não fez sentido,

assim instalado entre os sons quotidianos,

pesado e amorfo. Inútil.

Mas foi na quietude do não acontecer,

no tempo alterado da percepção falha

onde pensamentos surgiam como vagalumes impossíveis,

e nos velhos gestos renascidos das raízes mais profundas,

que as horas se uniram e cresceram contra mim

- e descobri que tinha de apressar o meu regresso

antes que o tempo me lambesse a alma

e curasse aquelas feridas que eu queria ter

doendo baixinho como um fado...

Voltei.

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 23/05/2009
Código do texto: T1609944
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