No Fio Da Palavra
Pedi a Deus em oração,
Que me desse o dom da fala,
Entender a dor que me cala,
Compor de noite uma canção.
Uma voz tímida na garganta,
Como nó que estrangula,
Nasce, cresce se agiganta
Justiceira de insone gula.
Um náufrago em desalento,
Num mar de eterna fúria
Debate-se, luta ao relento
Inconfidente desta injuria
Eis-me aqui, em sedento pranto,
Sombra que na escuridão flutua
Seresteiro de amargo acalanto
Garimpeiro da madrugada nua.
Assombra-me uma lua pálida
Que no céu escuro, sorrateira
Segue impudica minha esteira
Como amante bela e cálida.
Viajante solitário ao relento
Pássaro de asa quebrada
Que um bando rasante ao vento
Abandonou em derrocada.
Uma musica calma, diligente
Toca ao consolo em serenata
Aplaca esta dor que fere, mata,
Liberta uma alma indigente.
E as palavras ao desafio
De uma lei que não vingou
Corta, fere, desata o fio
Que Ariadne nos legou.
João Drummond