Tabú do incesto
Era tão fascinado
E amava tanto a sua mãe
Que tinha que fingir que não amava.
Recusava beijos e afagos
Repelia abraços e agrados
Tudo para ele estava bem
E não requeria atenção.
"Esse menino é um doce,
Não dá trabalho algum,
Nunca me trouxe problemas,
Nunca se meteu com gangues,
Só tenho um pouco de medo
Porque troca a noite pelo dia
E se alimenta tão mal".
Achava-se poeta,
Magro, um varapau,
se via tuberculoso,
Acertando tiros no pé,
Afundando com um navio,
Em meio a rimas e febres,
Morrendo antes dos quarenta.
Ou, apenas moraria
No centro da cidade,
Passearia de noite
Defronte do edifício
Onde morreu Villa-Lobos,
Veria os azulejos
Pintados por Portinari,
Velaria pelos livros
Da biblioteca vetusta,
Os olhos na escada
Do teatro Municipal
Passeador solitário,
Nas ruas vazias
Do centro do Rio.
De dia se esconderia,
Dos anos se omitiria,
Dos acontecimentos se alhearia
Onde estão os teus versos?
Cadê o poeta dos escravos?
A canção da liberdade, cadê?
Se é que a liberdade
se consegue com canções,
Cadê o teu fino humor,
Cadê os teus amigos?
Apenas uns beberrões,
Cadê teus filhos, tua mulher?
Onde está a tua família?
Junto com os fantasmas da tabacaria?
Até que percebeu que o seu édipo complexo
Era tão ditatorial, tão autocrático,
que só poderia ocorrer um caso de exogamia
Se fosse branco, uma negra,
Se fosse árabe, judia,
Se fosse cristão, muçulmana,
Se ateu, marxista ou leninista, qualquer coisa servia.
Tudo para não lembrar da mãe
Que amava e achava não amar
Quando estivesse com a mulher amada.
De "Propaganda da Vida", Rio de Janeiro, 1999.