O RETRATO E O TEMPO
O RETRATO E O TEMPO
O antigo retrato,
Que prende a moldura,
É assim como o fato
Que resiste ao tempo e dura,
Fixado em amarelo e preto.
O menino vestido em chita
E linho já não tem esse jeito
Galhardo de quem fita
A vida com tanta pose.
Hoje com sessenta anos
(no retrato tinha doze)
Foram-se-lhe o tempo e os planos.
Ah, fosse a vida velho retrato,
Suspensa na sala de sonho
Da alma, a ter por substrato
Tudo aquilo que eu suponho
Fazer daquele tempo infância
O momento ideal, predileto,
Para a pose da criança
Que eu quis guardar no peito
E que sempre busco pelos dias,
Desde então. Guardo, ainda hoje,
A memória e as fotografias
De tudo o que com o tempo foge,
De tudo o que me houve e morreu.
Guardo o retrato e a sensação
De que tudo ainda sou eu
E assim é, e não a recordação.
Guardo o retrato, tudo igual,
Tudo hoje como no tempo ido,
Com a certeza de que, por mal
Ou por bem, o tempo se há mantido.
E assim, tão prevalecente,
O retrato, apesar da subitaneidade
Com que o colhemos, deixa transparente
Um sentido de eternidade.
Mas, ai, se o retrato perpetua
Por algum tempo esse flagrante
De vida, o próprio tempo, na sua
Instância e por constante,
Deliberou, fatal, onipotente,
Nada de nada perpetuar –
O retrato é, como eu, simplesmente
Algo que o tempo há de apagar.
01.03.1975