A CAMUNDONGUINHA
Este é o Canto V da referida coletânea "Viagem ao País dos Seres Humanos". Nossa amiga e colega poetisa Dora perguntou "por que a cigarra?" - tem mais bicho por aí!
V – A CAMUNDONGUINHA
Achei-te, camundonguinha alegre,
Ciciante, numa encosta da picada
Na mata, em verdade rota buscada
Pela vida toda, como um Destino.
Sabia-te aqui – sempre o soube, aliás;
Somente não sabia o exato onde,
Por isso foi preciso procurar-te.
Não te parece, ó minha distraída,
Que o nosso encontro é mesmo a Vida?
Não foi por acaso que tu vieste aqui,
Como não por acaso nasceste,
Embora te faças de concentrada
Na pelota que, diligente, rolas;
Perscrutantes, os olhinhos vigiam,
Que o teu predador há de chegar na sombra
E tu tens pronta e ágil retirada,
Mas não me enganas, que tu me esperas,
E há muito, em tua vida pouca.
Também sabias de mim, aqui, um dia.
Tampouco eu vim por acaso, minha
Camundonguinha; guiou-me a intuição
De que dentro de toda viagem
Há uma outra viagem, mais profunda.
Cem milhões de viajantes deixam-se
Perder por não sei quantas plagas
Em busca de coisas, se não vagas,
No entanto bem pouco definidas
E não te encontram, camundonguinha.
Bilhões de camundongos procuram,
“Urbi et orbi”, razões de subsistir;
Rolam pelotas e outras inutilidades,
Adivinhando sei lá o que
Por debaixo, talvez almas sequiosas
De viagens transcendentes e mais,
Mas não se colocam em meu caminho
Ornado de destino de se cumprir.
Por que tu, exatamente tu, no caminho?
Poderia não ser tu, mas o teu vizinho.
Por que eu, e não foges, tão cerca de ti?
Fui teu também um destino e o cumpri?
Por razões anteriores à Vida, a Cosmos,
A Deus, estamos, frente a frente, aqui!
Siga-se, pois: também é da intuição
Que tu me conduzirás pela jornada
De uma outra jornada, adentro. Tu mesma,
Habitante de dimensões ctônicas;
Tu mesma, viageira de sendas obscuras.
Tu, camundonguinha, feminina,
Olhinhos afinados na escuridão
Da toca, conduz-me, que a alma quer!
Faz de mim o mais marçano de todos,
Todos, os teus aprendizes e guia-me.
Chama-me para o portal de teu mundo
Umbroso, toma-me pela mão, incita-me
E guia-me pelos meandros do caminho
De dentro, onde, sei, há o marco zero
Da longa rota que conduz os viajantes
Para o País dos Seres Humanos.