ABUNDÂNCIA HIBERNAL

Que espetáculo celeste,

Às belas fases do inverno!...

Quão se dão metamorfoses,

Nunca aos humanos possíveis,

Ao passo que, vindo em doses,

Uns grãos de cristal incríveis!

No ar, tudo se transmuda;

Os céus ganham cor marinha.

Torres de nuvens se elevam

E o Sol se esconde, com pejo,

E os ventos mais se sublevam,

E o toró cai, neste ensejo.

De repente, rolam rios

Pelas ruas da cidade...

Redondos, grandes trovões

Por relâmpagos cortados,

E, lá longe, os espigões

Como que em véus embuçados.

Um raio cai no cipreste,

Põe-lhe o caule na calçada.

Os carros, poças cortando,

Seguem lentos, sem vontade.

E, onde a praça foi, é quando

Temos um mar na cidade.

Lá num subúrbio distante,

Drama de muitas famílias.

O rio que o bairro corta

Invade casebres pobres:

Tanto aguaceiro na porta,

Mas visitas nada nobres.

No leito dessas correntes,

Em geral, fétidas águas,

Há perigos de micose,

E, além da invasão das choças,

Pode vir leptospirose,

Com mortos e tristes mossas.

Contudo, os bens da invernada

São de valor indizível...

Vem fartura inumerável

Às mesas do nosso povo,

Quando chove favorável,

Sem catástrofes, de novo.

Que fantástica abundância

Faz fluir a Natureza!...

A ver chuvas, as enchentes

E os açudes transbordantes,

Até o ateu vê presentes

As mãos de Deus, por instantes.

Fort., 29/04/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 29/04/2009
Código do texto: T1567117
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