insónia

numa dessas noites em que a insónia gruda como uma lapa o céu estava imensamente estrelado e a lua globosa de uma lividez saudável porque esplendia uma claridade espantosamente reluzente

ao abandonar a casa impessoal não senti frio como das outras vezes apenas porque exalava o meu instinto noctívago e acontecia um alento que me deixava confiada ao meu ego

comecei a rasgar a estrada pouco passava da uma da manhã. escusei-me a olhar para o nada à espera que a inércia se atrevesse a gratificar-me com um ósculo. por onde andei não sei. apenas que bosquejei sorrisos na companhia do doce caetano e que fumei desmesuradamente

parei como é hábito junto ao mar. abarquei o olhar nas ondas e ergui castelos na areia. renunciei a dementação de desejar este e aquele mundo

ali tudo era autêntico. a brisa marinha que me desconsertava o cabelo.

as gotículas de humidade que consagravam aos meus lábios um capricho a sal e a música composto no instante pelo avanço e retorno das ondas

permaneci na ingenuidade

a areia a esgotar-se por entre os dedos

os olhos ávidos por achegar novidades e cursar o eterno

ressuscitou-se-me a alma e embora ainda sem sono adivinhava boas sensações um ardor exacerbado uma nostalgia escrupulosa que despertava para um passado abençoado e genuíno

na marginal os carros circulavam com delongas

ao olhar para trás descobria que sobrevivia essência na noite da invicta quanto mais não fosse a luminosidade dos candeeiros que se afilavam até ao horizonte e que conferiam à cidade um dourado inconfundivelmente feliz

neste pedaço da noite apeteceu-me despir as minhas roupas mais que usadas e entrar na imensidão

deixar-me desviar pelo seu furor e naufragar numa ilha despovoada onde tivesse garantida a minha sobrevivência apenas

penso que seria mais feliz ou talvez fosse apenas uma ilusão

lembrei-me de repente de seres pequeninos e no entanto tão grandes na sua importância

seres esses que me fizeram da argila que cinzelaram a minha personalidade

impossível não vê-los mais

não lhes sentir a alma e tudo de bom que eles me oferecem gratuitamente

divaguei até a aurora me acordar desse sonho que é a noite

as gaivotas andavam por ali perto numa conformidade que eu respeitei decidindo retirar-me e dar-lhes espaço

avancei até ao carro com energias redobradas

cheguei a casa já o sol exibia os seus raios e optei por retomar à noite no meu quarto escuro apenas com a luz das velas bailarinas e o deleite enleante do incenso de canela

desta vez sinatra foi o nomeado

lunapensativa
Enviado por lunapensativa em 08/05/2005
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