BONECA DE PANO
Boneca de pano, posso entrar?
Você parece que está meio febril, meio arrisca,
você parece que está meio refogada, meio falida,
você parece que está maio hibernada, diz aí.
A gente já fez muito castelo de areia junto,
já dividimos o meu palito de dente, já suamos junto tudo o que tínhamos direito,
já fizemos aquela aquarela com o calcanhar enrigecido dos jovens guerreiros.
Lembro quando desnudei seu atalho perdido naquela selva no fim do mundo.
Você cabia inteira na curva do meu cílio, podia envolver toda sua cauda com os bocejos desse copo vazio de vinho.
Então abracei seu corpo de gazela mal passada com as amarras que demorei a minha vida inteira para cerzir.
E você, por certo, não entendeu nada dessa trama que estava já no final do segundo tempo.
Foi embora sem perceber que havia outra boca embebida nessa voz,
que havia uma treliça retaguardando cada passo em sua direção.
Dessa forma, perdemos a única chance de sermos felizes nos confins dessa vida,
com a minha querida boneca de pano.