A DOIDA

Chamam-lhe "a doida" quando passa...

Chapéu desbotado, xaile de seda desfiada

saia de "lamé", sem brilho, esfarrapada

que um velho alfinete d'ama prende e laça

cambaleiam com ela os sapatos já sem saltos

outrora reluzentes, de verniz e tacões altos

nas magras mãos as luvas pardas, rotas

fazendo acenos de menina rua fora

balanceando uma carteira de abas soltas

que lhe deu uma vez uma Senhora.

Ladram-lhe os cães, riem-se os gaiatos...

As velhas faces, peles caídas, enrugadas

de um vermelho rançoso inda pintadas

com sobras de "bâton" achado em rua sinuosa

descartado talvez por qualquer dama duvidosa

colar de contas roxas enfiadas num cordel

na ilharga, amarrotada, um flor murcha, de papel

"Que vergonha!" murmuram as Senhoras...

Mas ela, surda, ausente, caminha para a sua festa

transportando consigo tudo o que lhe resta

Chegada a noite, vem a fria e dura solidão

seus olhos cansados e os pés alquebrados

procuram tréguas nas pedras do chão

parece um embrulho, um monte de entulho

não dorme, delira de febre, trémula de frio

mas nesse delírio feito de visões pelas madrugadas

revê sua vida, tão rica, pelo mundo estafada

e em esgares de prazer solta gargalhadas...

Pois só ela sabe, como foi linda, quanto foi amada!

(In "Geometrias Intemporais"

Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 08/05/2005
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