A DOIDA
Chamam-lhe "a doida" quando passa...
Chapéu desbotado, xaile de seda desfiada
saia de "lamé", sem brilho, esfarrapada
que um velho alfinete d'ama prende e laça
cambaleiam com ela os sapatos já sem saltos
outrora reluzentes, de verniz e tacões altos
nas magras mãos as luvas pardas, rotas
fazendo acenos de menina rua fora
balanceando uma carteira de abas soltas
que lhe deu uma vez uma Senhora.
Ladram-lhe os cães, riem-se os gaiatos...
As velhas faces, peles caídas, enrugadas
de um vermelho rançoso inda pintadas
com sobras de "bâton" achado em rua sinuosa
descartado talvez por qualquer dama duvidosa
colar de contas roxas enfiadas num cordel
na ilharga, amarrotada, um flor murcha, de papel
"Que vergonha!" murmuram as Senhoras...
Mas ela, surda, ausente, caminha para a sua festa
transportando consigo tudo o que lhe resta
Chegada a noite, vem a fria e dura solidão
seus olhos cansados e os pés alquebrados
procuram tréguas nas pedras do chão
parece um embrulho, um monte de entulho
não dorme, delira de febre, trémula de frio
mas nesse delírio feito de visões pelas madrugadas
revê sua vida, tão rica, pelo mundo estafada
e em esgares de prazer solta gargalhadas...
Pois só ela sabe, como foi linda, quanto foi amada!
(In "Geometrias Intemporais"