Carcará
Teus olhos profundos, minha amada
Jamais eu hei de esquecer!
E em meus sonhos hei de os ver
À flor de toda madrugada
Teus olhos! Jardim a florescer
Teus olhos cortantes, espadas!
E hoje, silente em teu leito
Ainda és minha deusa esculpida
Que se de toda beleza despida
Sobra-te beleza, a despeito
Do mal a encerrar a tua vida
Da dor a pesar em meu peito!
Os teus lábios eram doces rosados
Que os meus beijavam beijos sem fim!
E exalavam um olor de jasmim
Dois rios, sedosos, selados.
Teus lábios! Morangos carmim,
Teus lábios, hoje desbotados.
E agora, beirando a tua morte
Desabo somente em fitar-te
E meu peito rasga-se em partes
E meu coração quase explode!
Que essa paixão que me abate
Atira-me ao nada, sem norte!
E aqui, sinto-me qual um carcará!
Que, à espera da morte, assiste
O teu fim, lento, doce e triste
A hora em que me deixarás.
E se hoje teus olhos abriste
Amanhã já não mais abrirás.
- E eu hei de esquecer-te...
Jamais