Cotidiano

Cotidiano

Rosália Cristina

Ai de mim se passasse este dia

Sem o quadro animado do beijo.

Tomou-me um extasiado contentamento

Defronte a dois corpos que atenderam o desejo.

Ai de mim se neste corrido dia

Não visse o alinhamento dos lábios

Que se pintaram num anoitecer que caía

Despudorados corpos, lisonjeados.

Que se vá o cimento do dia

Ai de mim!! O tormento das rotas.

Ai de mim!! A rotina da retina.

Que se vá! Do contrário: ai de mim!

Foi o beijo o descansar do meu dia

Ai de mim, que não sou vazia

Que com beijos d’outros, seco tintas

Ai de mim, se não estivesse nessas linhas.

Ai de mim se meus músculos trabalhados

Valessem-me o contentamento do dia,

Se a minha cabeça continuasse baixa

Percebendo do café, só as curvas de

/ suas espumas.

Não veria dois lábios num intento de amor

Não creria, pela estupidez do dia, no amor

Não sentiria, no findar do dia, o amor

Ai de mim se não reconhecesse o amor.

Não seria poeta, nem cotidiana.

Não me diriam artista; só melodramas

Percorria-me no alento do leito,

Um simples papel em branco.

Ai de mim! Ai de mim!

Se o papel saísse daqui, em branco

Tal qual o cal das paredes

Do meu cotidiano, ai de mim!

Não me teria o brando espanto

Dos testemunhados beijos pelos cantos.

Ai de mim, se o plural consentido

Não me desse acalanto

Nesse possível isolado cotidiano.

Rosália Cristina
Enviado por Rosália Cristina em 12/04/2009
Código do texto: T1535422
Classificação de conteúdo: seguro