SOU

Da verdade, sou deslizes,

do pensar eu sou objeto,

das cores, suas matizes,

do amor, o desafeto.

Da tela sou a moldura,

do cego, a sua bengala,

da queda, a sua fratura,

do caminho sou a vala.

Sou do porquê o senão,

do talvez, a todavia,

do porém, o sim e o não,

da síntese quem sabia.

Do prazer sou quem estraga,

da certeza, o maior medo,

do rogo sou a praga,

da ferida sou o dedo.

Da esperança quem aguarda,

o atraso de um retardo.

Prejuízo de quem tarda

e a mancha do bastardo.

Da mentira sou o efeito

e da razão sou a regra,

da ordem sou o respeito,

do suspeito sou a entrega.

Da tentação, o desejo

da aceitação, a licença,

do teu olhar sou o beijo

do depois a consequência.

A embriaguez da cachaça,

da bodega sou o otário,

do engraçado sou sem graça

do bêbado sou calvário.

Da sua oração, a crença,

o efeito do ditado

dos encéfalos, quem pensa,

dos mestres, o esclerosado.

Do encontro sou o momento

sou do amor a intensidade

da ruptura, o sofrimento

do adeus sou a saudade.

Dos contos, a sua fada,

do abstratro, a existência,

do que sobra sou o nada

e da droga a dependência.

Sou platéia e espetáculo

ator, representação,

do seu papel sou obstáculo

do roteiro, o contra-mão.

Sou o nada e sou o tudo

sou contra e sou a favor,

fraco ou forte, sobretudo

para todos ódio e amor.

Ainda sou quem decide,

sem nada podendo ser,

a todos e a quem duvide,

e a mim, até morrer.

Vilmar Daufenbach
Enviado por Vilmar Daufenbach em 08/04/2009
Reeditado em 29/07/2009
Código do texto: T1528676